Resposta a texto sobre liberdade de escolha
Comentário sobre o texto acerca da escolha de escola
http://educacaosa.blogspot.com/2010/09/um-desnecessario-manifesto-contra.html
Resposta publicada no meu blog.
Caro Senhor,
Lamento não o tratar pelo nome. Não consegui identificar, talvez por incapacidade minha, quem está por trás do pseudónimo.
Nada tenho contra reitores mas compreende que não o trate assim.
Começo por dizer que terei todo o gosto (e não estou a ser irónico) a, quando se revelar de quem se trata, o convidar a visitar Viana do Castelo e as escolas em que trabalho. Perceberá que nessa visita entenderá melhor o homem e a sua circunstância. Circunstância que faz com que tenha concordado comigo no passado e agora discorde das minhas ideias. Mas como dizia Voltaire posso não concordar com o que dizes mas lutaria para que o possas dizer.
Agradeço a atenção que me dispensou e, depois de muito ponderar, decidi responder brevemente ao seu texto para lembrar que, mesmo mal escrito, tinha duas partes. Compreendo que tenha eventualmente ficado cansado (era longo e fico feliz por não o ter achado chato). A vontade de responder sumariamente aos 4 argumentos talvez o tenha impedido de ler o resto que tinha algum interesse (acho eu) ao falar de filas de espera e acesso dos mais pobres (em dinheiro ou em capital social).
É sintomático que ao enegrecer o sentido do texto se tenha esquecido de referir o ponto em que eu falava dos que não vão ter escolha.
Saliento a V.Exa. que ao lado das suas elevadas convicções (de que obviamente não duvido e respeito) existe a realidade, que não gira apenas à volta do interesse individual e grupal dos que querem escolher sem pagar, mas do interesse público do acesso generalizado.
Escolha e pagamento são inseparáveis. O Estado presta hoje um serviço lectivo gratuito (lectivo apenas, porque, e acho mal, os pais têm de pagar os livros e algum, muito, material). E isso coloca o problema do acesso e da sua regulação: que é o 5º argumento de que curiosamente não fala porque termina a sua inteligente resposta no 4º (que prepara o 5º).
A indicação argumentativa de que a minha Mãe escolheu a escola é uma torção do sentido do texto original que creio resultará do stress de me querer responder rapidamente. Numa segunda leitura, verificará que a minha Mãe escolheu a escola mas escolheu por abstenção uma escola que era pior do que as alternativas, pelo respeito da regra (isto é, não fugiu à escolha proibida com batotas). Os professores eram essencialmente semelhantes na formação e na capacidade mas alguns dos colegas eram de um tipo que levaria muitos acrisolados defensores da liberdade de escolha a escolher outros para os filhos.
Mas a escolha ilustrada da minha Mãe serviu para me mostrar algo sobre a sociedade. Em vez de andar numa "boa" escola em que os colegas eram todos do grupo certo, eu estudei numa escola com diversidade. E o facto de a minha Mãe não escolher, no sentido em que o senhor escolheria, não me prejudicou, antes beneficiou. Ela aceitou as regras e recebeu a prestação da escola gratuita que existia e que me cabia. Não fez batota (escolhendo debaixo da mesa, como muitos já hoje fazem ou tentam fazer). E olhe que com o capital familiar e social que tinha até conseguia. Por isso é que a sua acção foi significativa. Porque ela percebeu que a diferença da escola não era a qualidade do ensino mas a realidade social e escolheu para mim, integrar-me na realidade social da minha terra e não pôr-me numa redoma.
Tenho de gerir todos os dias escolas com 12% de alunos ciganos e 45% de alunos com graves carências económicas e sociais mas onde há bons resultados (face ao contexto). Muita gente me fala da escolha de escola na altura das matrículas. Ninguém me diz que escolhe tentar sair porque não quer os filhos na mesma turma dos ciganos, aliás, alguns até dizem, pensando que me iludem (e eu aceito) que não é por isso de maneira nenhuma, mas eu e os professores vemos e percebemos. No dia em que for livre escolher a escola, os pobres filhos dos pais pouco atentos e os que não conseguirem executar a escolha (leia a parte do meu texto sobre filas) não vão ter escolha e os outros vão embarcar na ilusão.
E depois a escolha implica critérios: a minha mãe escolheu pelo critério da sua visão de sociedade. Os seus filhos, que não eram ricos mas também não eram pobres, iriam ter uma educação autónoma e aberta ao sentido comum de uma sociedade. Como ela dizia "não íam ser queques"..... E não correu muito mal.... veja lá, sempre entrei para faculdade (coisa que o meu texto dizia e o senhor não reparou, a maioria dos meus colegas do 1º ciclo não pode fazer). Por timidez, não lhe digo a nota, mas sempre direi que não foi preciso exames das novas oportunidades....
O que lhe digo é que nada tenho contra a livre escolha de escola. Já leccionei em escolas privadas (vários anos seguidos), num dos cursos que frequentei estudei numa universidade não pública, defendi nos meus tempos de dirigente associativo estudantil o pagamento de propinas. Mas sofro do problema de não ser fundamentalista em quase nada na vida. E, por isso, não acredito em receitas milagrosas. Este dogma da livre escolha é como todos os dogmas passível de escrutínio e pela via da análise da sua aplicação prática. O que eu não aceito é a livre escolha paga pelo Estado, destruindo a rede pública (isto é o mínimo de prestação).
Com profundo conhecimento de causa lhe poderia falar dos problemas da escola pública. Mas questiono-me (e os defensores da livre escolha não satisfazem a minha necessidade de esclarecimento) sobre se a alternativa não agrava a desigualdade e não traz novos problemas piores (que enumerei).
Percebi da sua resposta que defende um sistema tipo cheque ensino (aquela referência da ADSE indicia isso). Um sistema quase não testado em parte nenhuma em que Portugal iria embarcar numa experiência. Responde assim à minha objecção do pagamento directo às famílias (mostra que acredita nelas e na sua liberdade de gerir o dinheiro da prestação...liberdade mas com calminha, portanto).
Podiamos discutir mais isto mas sempre lhe direi que os beneficiários da ADSE, além do pagamento que fazem nos seus descontos, ainda pagam parte dos serviços que lhes são prestados e de forma diferenciada face ao tipo de serviço. Por pagarem essa parte é que podem escolher. Se forem ao Centro de Saúde só pagam a taxa moderadora.
Mas pergunto como resolve o problema do excesso de lotação? Ou será que depois de prometer a livre escolha vai arranjar uma regra para os que não conseguirem escolher o que querem? Vai ser qualquer coisa tipo as promoções das grandes superfícies: "pode escolher a boa escola, salvo ruptura de stocks....".
Aqueles que não entrarem na primeira escolha (porque não cabem e vamos fazer de conta que as escolas também não vão pôr-se a escolher, hipótese que ignorou) faz-lhes o quê? Responde-lhes: "pois a ideia era escolherem mas agora vão ter que ficar com esta. "
A ideia de livre escolha parece atractiva mas nunca haverá escolha totalmente livre e ilimitada. As escolas que o indicador de escolha (por exemplo um qualquer ranking) puser nos primeiros lugares vão ter muita clientela e as restantes ficarão à míngua. E vão ficar ainda pior. Porque a qualidade de uma escola não tem a ver só com a instituição mas com a comunidade. Mas os que não couberem na primeira vão lá parar. Vai continuar a haver batotas, a competição selvagem vai instalar-se até porque vai haver a tentação de capturar a politíca pública traduzida pela nova prestação estatal de Pagamento Directo da Escola às Famílias (o pdef). Adivinho que a altura das matrículas vai ser muito edificante de ver.
O problema é que este cenário possível até nem vai ser grande problema para mim. Mas será mau para a sociedade.
E em relação aos 4 argumentos que escolheu analisar (esquecendo o 5º que era o mais importante) não me coibirei de fazer alguns comentários:
Sobre o que diz sobre as terras de notário único (e recordo-lhe o que nesse domínio deu a privatização) saliento-lhe que cresci em Viana do Castelo (o que alguém diz ser o distrito mais interior do Litoral) e já leccionei em Monção, Ponte da Barca e Arcos de Valdevez. Esse conhecimento concreto de muitos anos leva-me a dizer que não percebe o alcance real do que eu quis dizer.
Sobre o Determinismo Social já falei bastante mas gostava de lhe dizer que ele existe e não confie muito na sua visão histórica sobre o século XIX (não vou puxar da competência específica mas essa matéria é claramente controvertida).
A resposta sobre os aspectos práticos é um bocadinho contraditória com a ideia de liberdade (por exemplo, vai haver burocracia associada) e sobre o 4º e 5º argumento pouco diz.
Com todo o respeito, julgava que o meu "Desnecessário manifesto contra a Liberdade" podia ter merecido resposta mais substancial.
Mas se tiver oportunidade responda-me a mais uma questão prática: a escolha dos pais vai poder fazer-se todos os anos ou quem escolher bem no 5º fica até ao 9º ou 12º na boa escola? E que critério pretende usar para os que não couberem? Numerus clausus no 1º ano? Ou vai ser no pré-escolar?
Com saudações cordiais (e não estou a ser irónico porque sinto cordialidade, mesmo não conhecendo, por quem gosta de uma boa discussão sobre coisas relevantes)
Luís Sottomaior Braga
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