vistodaprovincia

11.27.2005

A Crise da República entre o Pastel do Partido Único e Partido nenhum….

“Portugal vive, no fundo, num regime de Partido Único, mais do que num regime multipartidário. Com crise ou sem ela, o Centrão continua muito bem, e agradece”.
Com esta frase Vasco Pulido Valente resumiu bem, no Público de 13 de Novembro, a natureza do nosso problema político como país: a impossibilidade da escolha quando essa escolha não tem referenciais claros e se resume a escolher caras e ideias folclóricas e superficiais. Isto para não falar dos enganos na escolha e nas promessas eleitorais a enganar.
O historiador faz depois o raciocínio clássico de quem cultiva o gosto da disciplina: pensa historicamente sobre o presente. Um raciocínio que é a maldição e o gosto de quem estuda História e que, no caso português, fertiliza o desencanto com o curso do país. E recorda que “em Portugal, isto vem de longe. As grandes divisões foram sempre sobre a natureza do regime e tinham naturalmente por fim eliminar o adversário e nunca por nunca conviver com ele. De certa maneira, o que se pretendia (pela guerra civil ou pelo método mais banal do pronunciamento militar) era restaurar a unidade perdida.”
Dando saltos pela história dos últimos 200 anos lembra a nossa tendência indígena para o conformismo (e o rebanho) e, entre outros exemplos, a União Nacional, a chamada Fusão no século XIX (dos partidos que até aí rodavam entre si), que resume, descrevendo-a como o caminho das facções para convergir para “uma ortodoxia oficial, que, tirando, uma ou outra inclinação menor, eliminava qualquer diferença relevante e juntava toda a gente numa massa homogénea, com o mesmo programa e a mesma retórica.” No tempo da Fusão, em 1865, chamaram a isso o Pastel….
Estamos assim. Na verdade, olhando para a situação governativa, autárquica e, agora, para o caminho eleitoral até às presidenciais, a ortodoxia do falso consenso e da unidade oca têm feito raízes na vida política portuguesa.
Os indivíduos alheiam-se por isso mesmo. Como alguém diria, votam com os pés, o que começa por querer dizer que se afastam e voltam costas (em França já votam com os pés de forma mais agressiva mas, às tantas, isso só ainda não chegou, como tudo, fruto do nosso atraso). E, perante as várias encarnações do Partido Único, esse é o caminho que se trilha quando se adquire a consciência de que são virtualmente irreformáveis e que não mudam por dentro; no fim o caminho para o Partido Nenhum (caminho que Salazar aproveitou no seu tempo e é o caldo da falta de Liberdade).
As presidenciais permitem a escolha fora da lógica dos partidos (que, mesmo assim, fazem falta se não forem amorfos). Estas, como se configuram, vão permiti-lo e até castigá-los por serem amorfos. Pulido Valente começou o seu texto a afirmar que não há um candidato de Direita. Há um do Centrão conclui, e outro, digo eu, que gostava de lá chegar, como noutro momento histórico já chegou a ser (mas o tempo não volta para trás). As discussões sobre cultura e erudição, idade, sapiência económica reduzem, mal, o problema a uma discussão folclórica. O Presidente não governa, nem tem de ensinar ninguém. Felizmente, que na nossa escolha, o problema fica simplificado tendo em frente pessoas estimáveis, com competência reconhecida na sua vida passada, sérias, honestas, cultas (não só de erudição humanista, mas cultas, sem dúvida) e democratas. Não precisamos de escolher o menos mau. Falar da Pátria ou da Liberdade ou da participação dos cidadãos, como faz Manuel Alegre, pode parecer, para alguns, fora de moda, num tempo de défice ou globalização, mas é bem melhor (até essencial) para o futuro e para as rupturas de método e de forma de activar a cidadania que fazem falta, perante o que certeiramente chama de crise da República, e que não têm a ver com a eventual passagem num exame de cultura geral. Alegremo-nos, por isso, já que esta é uma oportunidade de fugir ao rebanho e às suas escolhas institucionalizadas, impostas por partidos sem debate ou que se tenta impor pelo silêncio, e votar para que haja rupturas, com um Chefe de Estado que não fique refém do “grande pastel” sem sabor em que está transformado o nosso sistema político e partidário.
Luís Sottomaior Braga