vistodaprovincia

9.14.2014

6 notas amigas a quem quiser reclamar da Bolsa de contratação de escola



Consta por aí que na Bolsa de contratação de escola foi usada para ponderar a avaliação curricular uma escala de pontos de 0 a 100.
Talvez sim. Talvez não. Ninguém sabe porque ninguém viu realmente as continhas….
Se foi assim é quase certamente ilegal.
Depois de muitas voltas na lei, republicada, alterada, revista, rectificada, com remissões para cima e para baixo, aqui fica um caminho de abordagem em notas que tenta ser resumidas. Mas a matéria é complexa e não dá para tweets....

Nota 1 – É preciso ler o manual….

O manual do utilizador da Bolsa diz no seu capítulo de enquadramento:

De acordo com n.º1 do art. 40.º do Decreto-Lei n.º 132/2012, de 27 de junho, na redação conferida pelo Decreto-Lei n.º 83-A/2014, de 23 de maio, retificado pela Declaração de Retificação n.º 36/2014 de 22 de julho, aplicam-se à bolsa de contratação de escola, os procedimentos da contratação de escola.”

Cansados da leitura? Poupo-vos.
A legislação relevante de acordo com este arrazoado (típico das trapalhadas do MEC) é o DL 83-A/2014.

Leiam, lá para o meio, a legislação republicada.
O artigo 40º remete para o artigo 39º do mesmo Decreto-lei no que diz respeito aos processos de construção das listas.
Se tiverem paciência para ler os 19 (!!!) números contidos nesse artigo, com alíneas pelo meio, topam alguns com interesse.
A avaliação curricular aparece como critério objetivo (sic) de seleção na alínea b) do nº 6: “A avaliação curricular, seguindo o modelo de currículo definido pela escola, tendo como referência o modelo europeu;”
Primeira nota para quem for reclamar: que órgão, quando e como definiu o modelo em cada escola? É que o director tem de pedir parecer obrigatório ao Conselho pedagógico, como estipula o regime de autonomia. Terão todos pedido?

Nota 2 – Será que quem fez a BCE usou a definição legal de avaliação curricular?

A leizinha diz algo que ajuda a perceber (ponto 7):
“A avaliação do currículo deve ter em conta, pelo menos, os seguintes aspetos:
a) Avaliação de desempenho; b) Experiência profissional considerando, designadamente a dinamização de projetos pedagógicos, níveis lecionados e funções desempenhadas; c) Habilitações e formação complementar;”.

Segunda nota para quem for reclamar: o sublinhado meu do pelo menos; a lei não diz pelo menos um dos aspectos, diz pelo menos os 3 aspectos enumerados (isto é, todos; tem de ser pelo menos esses 3 em todas as escolas, sem excluir nenhum). Muita gente não gostará mas para reclamar dá jeito.

Nota 3 – Foi a coisa transparente?

Sigamos ao ponto 8 do tal artigo.
“Na avaliação curricular a ponderação de cada critério deve constar na aplicação eletrónica, para conhecimento dos candidatos”.

Terceira nota para quem for reclamar: constava para cada critério de cada oferta de cada escola?

Nota 4 – Esta ignóbil porcaria não obrigava a ler uma portaria?

O número 14 diz que sim (e a lei foi republicada em Maio de 2014 a dizer isso de novo, mas já o dizia desde sempre).
E cito: “Ao disposto na alínea b) do n.º 6 (…) aplicam -se as normas constantes na Portaria n.º 83 -A/2009, de 22 de janeiro, alterada pela Portaria n.º 145 -A/2011, de 6 de abril.”
Podem consultar a norma aqui (republicação integral no meio do texto) http://www.dgap.gov.pt/upload/Legis/2011_p_145_a_06_04.pdf
Ora essa portaria diz no número 1 do artigo 18.º sob a epígrafe Valoração dos métodos de selecção: “Na valoração dos métodos de selecção são adoptadas diferentes escalas de classificação, de acordo com a especificidade de cada método, sendo os resultados convertidos para a escala de 0 a 20 valores.”
E diz mais o número 4 desse artigo: “4 - A avaliação curricular é expressa numa escala de 0 a 20 valores, com valoração até às centésimas, sendo a classificação obtida através da média aritmética simples ou ponderada das classificações dos elementos a avaliar.”
Parece que a DGAE decidiu alegadamente usar uma escala de 100 pontos sem mais e, como se vê pelo o que aqui cito, contra a lei expressa (a lei remete para uma portaria mas na lei está expressa a remissão directa).

Esta é a quarta nota para quem quiser reclamar.

Notas finais – Será que aos 96 anos ainda estarei a trabalhar?

E já agora notas finais: ao juntar graduação profissional com avaliação curricular,  para cumprir na letra o (erróneo) conteúdo das normas sobre oferta de escola (aplicáveis à bolsa), a avaliação curricular tinha de ser convertida a uma escala de 0 a 20 (não porque achemos assim, por palpite, mas porque normas jurídicas válidas o estipulam de forma clara, como se viu acima).
A graduação é, na prática, construída numa lógica de 0 a 20 (e concedo que, como a escala rebenta – isto é, pode ter-se mais de 20 – isso seja um problema a suscitar atenção; mas também hão-de conceder que a escala começa realmente em 10, visto que, todos os docentes tem pelo menos 10 de nota de curso, porque doutra forma, nem poderiam concorrer).
E já agora, fazer o exercício ao contrário (estipular um máximo de 100 para a graduação profissional – para a equivaler manhosamente à ilegal avaliação curricular de base 100), e considerar que todos os docentes estão abaixo desse limite de 100, porque ainda não o atingiram, esbarra com um problema duplo: lógico e legal.
O legal é fácil de entender: onde me conseguem mostrar lei ou outra norma a dizer que é assim? (quinta nota para quem vai reclamar).

O problema lógico, e de conformação ao real, é este: ainda que um professor tenha entrado aos 16 anos a dar aulas (idade mínima de admissão ao mercado de trabalho) e fosse um génio que já tinha habilitação profissional com essa idade, e com nota de 20 valores (o máximo possível) e trabalhasse até aos 70 anos (limite de idade para trabalho em funções públicas) teria aos 70 anos a graduação profissional seguinte:
 20 valores + 54 valores (isto é, 1 valor por cada ano de trabalho) = 74
 Isto é, nem assim, chegava aos 100 pontos (ou valores) de graduação e precisava de mais 26 anos para chegar a 100 de graduação profissional.
E, se não é possível existir um professor que adquira habilitação profissional aos 16 anos, com 20 valores, e que trabalhe sem nunca perder um dia de tempo de serviço (por exemplo, por doença prolongada, o que com a sua idade seria difícil), até juntar uma graduação de 100 não é aceitável o MEC presumir que exista e usar tal raciocínio na fórmula como parece ter sido feito (de forma consciente ou não, e acredito mais na inconsciência).
Aliás, só o facto de se assumir como base de raciocínio um professor a trabalhar e concorrer com 96 anos é um absurdo inaceitável....
Por isso, usar uma escala de 100 pontos sem conversão a escala de 0 a 20 na Avaliação curricular, além de estúpido, é ilegal e numa leitura simples em breves notas da lei expressa.
E se estou a ler mal, que me expliquem, mas creio que, mesmo sem ter estudado pelas cratinas metas curriculares, os meus professores, mesmo se selecionados pela graduação, e sem estas invencionices sem valor acrescentado, me ensinaram a ler minimamente.....




8 Comments:

At setembro 14, 2014 8:01 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Pena que o Mário Nogueira não tenha lido os seus textos. É triste sermos representados por gente mal informada...

 
At setembro 14, 2014 8:05 da tarde, Blogger Marco Amaro said...

Fantástico o seu texto; aterradora a situação que o levou a escrevê-lo. Obrigado, amigo Luís.

 
At setembro 14, 2014 8:43 da tarde, Blogger Joaquim Leite said...

Este Einstein talvez por deformação profissional porque segundo parece foi professor de matemática (mau professor certamente), está a reduzir pessoas a simples equações matemáticas. Uma direção de turma vale mais que 2 anos de serviço, por exemplo! Ou seja, atribui de forma ditatorial determinado valor a determinado critério!
Pergunto: em que se baseia, quais são os fundamentos científicos, que lhe permitem atribuir um determinado valor a determinado critério? Quando os professores efetuaram (ou não) determinada ação de formação, determinado cargo, etc., sabiam quanto (que valor) é que isso lhes iria somar no seu perfil de professor? Foi ao menos discutido quanto é que valia um “Bom”, por exemplo, para a carreira de professor? Não foi, pois não? Isto é próprio de uma ditadura desumana, porque pessoas não são números! Qualquer dia aplica alguma fórmula do género: P=MC2 em que P é professor, M é massa e C é cunha.

 
At setembro 14, 2014 9:13 da tarde, Anonymous Maria said...

Obrigado Luís

 
At setembro 14, 2014 11:33 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Obrigado !

 
At setembro 15, 2014 7:40 da manhã, Anonymous Anónimo said...

Sr. Anónimo, porque ataca o Sr. Mário Nogueira?
A Fenprof tem sistematicamente defendido que só deve haver um único concurso nacional com regras transparentes para todos.
Aliás se se informar vai repara que a Fenprof não deu a sua assinatura ao actual regime de concursos.

 
At setembro 15, 2014 7:50 da manhã, Anonymous Daniel Simões said...

Muito obrigado Luís,isto vai de pior a insustentável.
Juntarei parte desta reflexão às reclamações que já remeti à DGAE. Forte abraço e que a justiça e um pingo de legalidade ainda reanime e legitime esta BCE.

 
At setembro 16, 2014 10:48 da manhã, Anonymous Anónimo said...

Todas estas tretas tiveram nascimento na cena da avaliacão, esparrela em que quase todos os professores se deixaram cair. Aqui neste recanto ensolarado toda a gente sabe que o favor, a cunha são determinantes para atribuição de cargos - as tais direções de turma, coordenações... que são pontuados na CE.
Há professores que durante um ano vão saltando de escola em escola e nem avaliacão conseguem muitas vezes ter por não perfazerem em cada escola tempo para a obterem, por muito bom serviço que tenham feito nessas ocupações temporárias - perdem pontos nestes subcritérios.
A fórmula que foi usada é uma aberração e ainda bem que vai sendo denunciada.

 

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