vistodaprovincia

9.15.2014

Não pago impostos para que me chamem estúpido….





            Esta é a única resposta que se pode dar à manhosa e descabelada manipulação da verdade, contida na nota que a Senhora DGAE[1] regurgitou sobre os problemas constatados na Bolsa de Contratação de Escola. E digo constatados, embora a Senhora DGAE diga levantados porque eles existem mesmo, não foram inventados pelos putativos inimigos maldosos da Senhora DGAE e, por isso, não foram levantados, já lá estavam.
           
            1 – Trabalho de autor anónimo

A primeira nota ao documento é externa: não está assinado. Estou certo que, se daqui a uns tempos, formos pedir responsabilidades, se verificará que não foi ninguém ou foi o porteiro que o escreveu.
Assim, se quem vos escreve aqui diz quem é, a outra luminária, que nesse pedaço de prosa sob o pseudónimo de Ex.ma Senhora DGAE, teoriza sobre “as dúvidas levantadas a propósito da bolsa de contratação de escola” não se sabe quem é, que habilitações ou autoridade tem. É só uma emanação ignota da Senhora DGAE e o nosso único caminho de conformidade era curvarmo-nos perante a luz que aí brilha.
            Pode, por isso, mentir desnudadamente e atirar-nos areia para os olhos porque sempre poderá refugiar-se no anonimato. Esta administração anónima, escondida por trás da Senhora DGAE, que espolia direitos e actua sem regras, mas que não dá a cara, é mais um sinal simbólico do quadro ético em que tudo isto se passa.
           
            2- “Sem prejuízo de referir” – pois, o prejuízo é dos outros …..

Passemos por cima de alguma falta de gramática da palavra revelada da Senhora DGAE e adiantemos a segunda nota que é a pressa com que, logo no primeiro parágrafo, se diz “sem prejuízo de referir, desde já” que a classificação final decorre da conjugação da graduação profissional e dos restantes subcritérios. Quase imagino a Senhora DGAE, de mão na ilharga, a atirar para o ar este “desde já”. Dava para rir, mas a verdade é que isso foi coisa que ninguém pôs em causa, porque isso, que se diz desde já, mesmo sendo lei disparatada, é lei.
            Mas, uma coisa é dizer-se que é preciso, por causa da lei, somar duas realidades, outra é o método concreto usado na soma….que, desde já se diz, está errado.
           
            3- Leiam a leizinha….. seus analfabetos!

A terceira nota é a reiteração da mania que os burocratas do MEC têm de citar literalmente as normas legais dos casos de que falam, mesmo se citam literalmente mas não aplicam. E citam, para evitar o previsível efeito do analfabetismo, daqueles que não convivem com a divindade. Cita-se na nota, por exemplo, o número 7 do artigo 39º da lei aplicável mas calculo que a Senhora DGAE não percebeu que, ao fazê-lo, está a confessar uma das ilegalidades do processo.
A lei diz “7- A avaliação do currículo deve ter em conta, pelo menos, os seguintes aspetos" listados depois em 3 alíneas.
          Como sabemos que todas escolas, aplicaram pelo menos (isto é todas, mesmo que adicionem outras) as alíneas a), b) e c)?
          Não sabemos, porque os critérios continuam ocultos aos candidatos e eram ocultos no momento do concurso, como agora se mantêm.

4- Agora “cumpre esclarecer” os que não sabem ler…..

            Depois, o(s) embuçado(s) autor (es) ou autora (s) da prosa esclarecedora da Senhora DGAE avisa(m)-nos que “cumpre esclarecer uma série de coisas.” Outra vez a mão na ilharga.
            Nos pontos 1. e 2. fala da experiência de anos anteriores. O autor desta presente prosa conhece bem a experiência de anos anteriores e cumpre-lhe esclarecer que, se essa frase é contrição, é insuficiente, se é constatação, sofre de falta de vergonha, dado o papel da Senhora DGAE nas trapalhadas.  Esclarecimento, zero.
            Nos pontos 3. e 4 anuncia, quase festivamente, que o legislador iluminado trouxe a BCE, por bem e para salvar o mundo dos problemas revelados nos pontos 1 e 2.
A fé fica bem. Pena são os actos de quem assim acredita. Esclarecimento, zero.
        No ponto 5. descarrega subtilmente a culpa da trapalhada para as escolas e seus diretores, que continuam caladinhos, à espera que a enxurrada passe.
Os critérios, diz a Senhora DGAE, foram definidos por cada escola. Numa aplicação criada pela Senhora DGAE, gerida por esta, limitada na operacionalidade por esta e cujos resultados de listagem foram produzidos pela Senhora DGAE mas que as escolas publicaram nos seus sites. Está bem montada a armadilha.
Como as reclamações e recursos vêm aí, já se prepara o caminho para dizer: isso é com as escolas!!!
 O que resulta em mais uma vilania contra os docentes desempregados: “concorreste numa aplicação única, porque centralizar dá jeito à Administração, mas hás-de reclamar escola a escola porque isso de reclamar não dá jeito nenhum….”
           
            5 - E, no meio, a não verdade, a fuga à verdade ou ……

…. mentira objetiva, quando se diz que a novidade deste ano, nos concursos das escolas TEIP e de Autonomia, reside apenas na introdução de um mecanismo de celeridade representado pela BCE.
O mecanismo de celeridade não o é, mas isso é matéria de opinião. Na minha, seria chamado um mecanismo de trapalhice.
Mas a verdade é que, até aqui, cada escola começava por ordenar os candidatos por ordem da graduação em “tranches” (era mesmo assim que estava na lei) e depois juntava os critérios próprios de cada uma, em cada grupo de 5 candidatos, e não na lista toda de uma vez. Isso faz uma diferença brutal no resultado e na justiça processual….
           
            6- O mistério do que não se diz

E, já agora, cumpre esclarecer que a legislação que a Senhora DGAE refere também pode ser citada a dizer muitas outras várias e varidadas coisas interessantes e que a Senhora DGAE ignora (já que, uma réstea de piedade, me impede de dizer que escamoteia).
Por exemplo, o ponto 9 do artigo citado que diz que “A abertura dos procedimentos destinados à constituição da bolsa de contratação é feita durante o mês de julho.” Julho?!?
E nem falemos do que dizem o Código de Procedimento Administrativo e uma data de outras normas sobre direitos de acesso a informação por interessados em actos administrativos e garantias dos cidadãos em geral face à administração. Cumpre informar a Senhora DGAE disso mas não faltarão outras oportunidades.....
           
            7- A confissão cândida

O ponto mais esclarecedor e útil da nota é o 7.
            Aí, a Senhora DGAE confessa com candura e, agora já sem a mão na ilharga, o problema: “7. Na graduação dos docentes desta bolsa, foi utilizada uma ponderação direta dos valores dos fatores originais: por um lado a graduação profissional declarada pelos candidatos que contribui com 50% do seu valor para a classificação final e, por outro, a ponderação curricular (que contribui também com 50% do seu valor).
            Os adjetivos direta sobre a ponderação e originais sobre os fatores mostram que há consciência do erro básico cometido.O que torna tudo eticamente muito pior.
É que a ponderação devia levar em conta as escalas originais (convertendo-as) e usar, como resulta da legislação, citada no ponto 9 da nota da Senhora DGAE, os princípios gerais da Lei 35/2014 de 20 de Junho.
            Aliás, a maior desfaçatez desta nota da Senhora DGAE é citar-se essa lei de 20 de Junho e ignorar o que diz o ponto 14 da própria legislação de concursos docentes “Ao disposto na alínea b) do n.º 6 e nas alíneas a) e b) do n.º 11 aplicam -se as normas constantes na Portaria n.º 83 -A/2009, de 22 de janeiro, alterada pela Portaria n.º 145 -A/2011, de 6 de abril.”
            Para simplificar: essa portaria, cuja vigência se solidifica na legislação de concursos docentes, diz que a ponderação curricular se faz numa escala de 0 a 20.Não faço à Senhora DGAE a deselegância de citar literalmente.....
Pois é! À Senhora DGAE não cumpre esclarecer esse ponto da legislação.
Às tantas, porque, com tanta celeridade, nem repararam como se fazia a normativamente a ponderação.

8- Já cá faltavam os transversais…..

            A falta de decoro agrava-se quando Senhora DGAE nos diz que a metodologia deste ano “foi utilizada em anos anteriores de forma semelhante e assenta nos princípios gerais de recrutamento transversais a toda a Administração Pública como também decorre da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho que aprovou a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas.” Como vimos, não é verdade, porque a “semelhante” oferta de escola funciona de maneira diferente e pressupõe, mesmo hoje, uma primeira ordenação geral pela gradução.
            A LGTFP entrou em vigor em Agosto e não alterou a forma como se faz a ponderação curricular em concursos de seleção que, desde que o mundo é mundo, é feita numa escala de 0 a 20.
Aliás, é engraçado que a Senhora DGAE não nos diga em que artigo da lei (qualquer uma) se baseia para usar ponderações curriculares baseadas em escalas de 0 a 100. Cumpria esclarecer isso. Daria a mão à palmatória ou o pescoço à corda, qual Egas Moniz, se me mostrassem…..
           
            9 – O contribuinte e a sua estupidez

O ponto 10 da nota é que justifica que diga que não pago impostos para que me chamem estúpido. Sim, eu sei que na BCE e na contratação de escola a graduação profissional não é o único elemento da ordenação. Não é preciso a Senhora DGAE dizer. Mesmo sendo isso muito mau, a lei produz essa estupidez que não acrescenta valor, para falar economês.
Mas, mesmo essa lei estúpida, não diz que, por força de circulares ou pensamentos embrutecidos da administração pública portuguesa, se tenham de ignorar regras básicas de aritmética.

10- A mão por trás do erro crasso da Senhora DGAE

            Finalmente, surge o fecho do texto da Senhora DGAE que termina com a proclamação salvífica de que, “com a BCE é dada especial relevância a dois fatores: a resposta rápida à ausência de professores e inerente prejuízo para os alunos e o respeito pela autonomia e diferenciação de cada escola.”.
Não se dá atenção a regras simples sobre como fazer contas, à legislação na sua letra, a preocupações de Justiça e, com tanta celeridade, acaba-se mergulhado numa trapalhada que os tribunais hão-de sindicar.
Mas, nesse ponto, pensaria a Senhora DGAE, sem sequer um brilho ténue no olhar: isso, afinal não interessa nada.
Os desempregados não conseguem pagar o tribunal. E os custos do Estado (em juristas e outras despesas, nos processos que há-de perder, como antes se perderam os da caducidade ou outros do tipo) valem bem o agrado dos políticos em verem as suas “ideias” tolas consagradas e poderem fazer o bonito de prometer, em sossego, sem risco de ter de cumprir, que hão-de corrigir erros que nem aceitam sequer admitir. Tudo para escolher os MELHORES..... que a Senhora DGAE há-de acolher no seu seio maternal e conduzir aos verdes prados da colocação.


[1] Nem fui verificar se o titular do cargo é masculino ou feminino. Não interessa. A Senhora DGAE deste texto não é uma pessoa: é um ente abstracto, é a potência majestática da burocracia. Daí que não tenha nome nem género. È como uma divindade sem nome e de que só se entrevêem os raios de luz com que nos ilumina e esclarece, magoa e destrói a liberdade.