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8.06.2012

Notas a Rui Moreira: o bloco e a sala de aula….


   

            Notas a Rui Moreira: o bloco e a sala de aula….
Curiosamente estou a escrever este texto no dia (6 de Agosto) em que passam 2 anos sobre o falecimento da minha Mãe. Professora mais de 35 anos em diversos “liceus”, depois escolas secundárias, costumava queixar-se de que sendo altamente especializada em educação (e em gestão dela), a sua opinião, como de tantos outros professores, nunca era considerada no que realmente interessa nas políticas educativas, quer pela desvalorização social que se colou aos professores, que os faz ser ignorados, quer pelo facto de o meio dominante, do que chamaria com simpatia a “oportunidade politica”, excluir a opinião dos professores por alegadamente ser corporativa.
Naturalmente que, nesse meio, ninguém exclui por corporativa a opinião de empresários de transportes sobre a política de transportes mas, como dizia a minha mãe, e já repeti várias vezes, muita gente opina sobre escolas, com base no pressuposto de que andou numa, mas “a verdade nua e crua” é que ninguém se sentirá realmente habilitado para perorar sobre a organização de blocos cirúrgicos só com base em ter sido operado.
Em termos simples, isto serve para dizer que começa a ser tempo de em vez de uma opinião dominante sobre educação, mais ou menos gasosa, de quem julga saber coisas sobre a organização das escolas (organizá-las e “pô-las”, a produzir conhecimento é uma tarefa técnica tanto mais que organizar um hospital ou gerir um aeroporto) devia deixar ver-se alguma opinião técnica dos que nas entranhas delas a conhecem e sabem como mudar. Só na educação se acha que se pode fazer mudanças e melhorias, vulgo “reformas”, contra e em guerra os que dela efectivamente fazem a sua vida e a estudaram como saber técnico especializado.
Tudo isto a propósito do texto sobre escolas de um cronista, Rui Moreira, cujo tom acutilante e objectivo gosto de ler, mesmo quando não concordo. Defensor da região Norte como também sou, temos alguns pontos de vista comuns.
A diferença é que, a sua natureza de figura pública o habilita a falar de tudo, mesmo aquilo em que patentemente precisa de mais informação. Eu provinciano vianense, que muito embora tenha estudado “num liceu público”, sou um orgulhoso professorzeco do ensino básico, posso falar com algum conhecimento preciso apenas de escolas e educação e por isso ficam as notas que me ajudaram a pensar o que li.

Pela escola descentralizada – ponto por ponto
Afastada a ideia de que possa ter alguma animosidade pessoal (ou clubística, coisa a que não ligo) discutamos as ideias, tentando um comentário ponto a ponto ao que dizia Rui Moreira no seu texto do JN

1.      Abre o texto com uma crítica ao comportamento pouco edificante de alguns sindicalistas no parlamento. Estranhamente, até concordo consigo, mas tolero a situação limite, na linha do que Mário Soares (que, descobri com alegria, terá apoiado numa candidatura presidencial) chamou o “direito à indignação”. Quando não há diálogo, nem audição, essas são as coisas que acontecem….
2.      Fala depois das turmas com 30 alunos (na verdade não são para todos os níveis de ensino 30, o máximo até poderá ser menor e varia com os níveis de ensino…. lá está a imprecisão técnica). Choca-o o escândalo dos professores com isso e das “federações dos paizinhos, cuja representatividade conhecemos” (por estas é que gosto dos seus textos… mas atenção ao respeito institucional, que também vale para as entidades da sociedade civil e não só para o Parlamento).
3.      Nesse ponto do texto entra no domínio do que critico acima. Sobre a escola de hoje vai buscar a comparação da escola do seu tempo (pela sua biografia publicada, coisa para os anos 60/70): “Ora, quanto ao número de alunos por turma, e sabendo que a realidade é hoje bem diferente, nomeadamente no que diz respeito a disciplina, lembro-me que fiz todo o Secundário em liceus públicos, e sobrevivi em turmas que por vezes excediam os 40 alunos. Sucede também que no actual ensino privado há escolas que tem 30 alunos por turma, e que nem por isso deixam de funcionar.” A palavra sobrevivi, diz tudo. Mas, como lhe disse também estudei em liceus públicos, e até em estabelecimentos de orientação pedagógica não portuguesa, mas o que se passava no meu tempo não é transponível para hoje. A tradição familiar permite-me ter uma visão de longo prazo. A minha tia de 97 anos foi professora primária em 1940 de turmas com 60 ou 70 alunos. Como ela diz sabiamente: provavelmente preferia uma turma dessas, em 1940, que uma de 20 hoje. E a indisciplina é uma realidade BEM diferente (ou melhor, mal…).
4.      E agora imagine que era ainda mais presunçoso e lhe dizia: como eu acabei o ensino secundário com média 20, num liceu público, em 1989, com turmas de 30 e mais, é exigível a todos coisa parecida…. Pois… o mundo não gira à volta do eu e das suas circunstâncias….
5.      E diz depois “Não existe uma correlação directa entre o aproveitamento escolar e o rácio de professores por aluno. Prova disso é que o ensino não melhorou nos últimos anos. Bem pelo contrário.” Sobre esta frase, que é todo um mundo de ideias feitas, imprecisas e mal fundadas, para a discutir preciso que defina “correlação”, “aproveitamento” (sucesso escolar ou educativo? por exemplo), que fórmula de cálculo do rácio usa e o que entende por “melhorar” (ou piorar) num contexto sistemático. Reduzir o abandono escolar aos níveis actuais, por comparação com os anos 70 foi, por exemplo, piorar? E já agora, quantos anos de aulas deu a turmas aí com 25 alunos no ensino básico (mesmo disciplinadas)? Acredite que fora de estudos abstractos (que o desafio a mostrar) é “ver claramente visto”….
6.      Cita depois dados estatísticos, cuja estrutura interna de análise está errada (o ratio aluno/professor é compósito e não se limita ao número de alunos na sala e inclui professores que o são, mas não dão, nem devem dar aulas). Afirmação ousada é dizer que esses números inconsistentes são “a realidade nua e crua e que se sustenta em números: por cada professor, existem, na escola pública, menos de oito alunos.” E quantos existem por cada professor que realmente lecciona a turmas? (desconte professores do ensino especial individualizado, bibliotecários, disciplinas de opção com número reduzido – exemplo que sei lhe é caro: alemão – ou latim, direcções das escolas, horas para direcção de turma não lectivas, etc e terá outro número). Fazem falta, certo? Não sabe, com certeza, mas olhe que “a verdade nua e crua” o surpreenderia. E, já agora, diga-me lá quais são os colégios que tem mais de 30 alunos por turma….
7.      Não conheço nenhum capítulo da (…) lei fundamental que garanta que a escola tem de assegurar emprego a todos quantos têm formação para dar aulas, tanto mais que são muitos os professores que tiraram cursos não diretamente vocacionados para o ensino, como sucede com a Economia, ou com o Direito.” Eu, professor profissionalizado, tenho um, de História, na Universidade que sei que também considera, e de cujo Senado faz parte (como eu também fiz) e não considero um favor do Estado o dinheiro que mensalmente recebo a título de salário pelo meu trabalho. Lamento que coloque esse dinheiro suado ao nível da esmola.
8.      “Por isso, muitos professores terão de procurar outras oportunidades, ou estarão condenados ao desemprego.” Talvez tenha razão mas isso não deve deixar de justificar reflexões sobre o custo público de os ter a fazer outras coisas quando o nível educativo do país ainda os justifica na sua profissão e na actividade docente.
9.      “Entretanto, os professores com horário zero irão para uma bolsa de substituição e depois, nos próximos anos, serão usados para reduzir o número de contratados. Entende-se que se sintam ameaçados por isso? Claro que sim, mas dificilmente se compreendem as reclamações dos sindicatos que nunca se insurgiram no passado contra o facto de haver muitos professores que gozavam desse privilégio, até porque muitos deles eram, precisamente, dirigentes sindicais.” Grande confusão em quem lhe passou a cábula ou no sítio onde se informou. Era longo explicar mas o sistema realmente não é, nem deve ou pode ser assim.
10.  “A gestão dos recursos humanos a partir do Ministério não pode funcionar.” Prove lá isso e não se esqueça de que os liceus públicos dos anos 70 funcionavam com um sistema ainda mais centralizado e com turmas bem maiores, e que, por agravo, e como já decretou, eram “melhores”. Dou-lhe umas pistas aqui: http://vistodaprovincia.blogspot.pt/2010/09/as-familias-escolher-escola-ou-as.html
11.  “Por isso, torna-se urgente dar maior responsabilidade a cada escola, ou a cada agrupamento, para que faça as suas escolhas e para que determine o número de professores de que necessita, em função das suas especificidades.” Como sei que o preocupa a transparência do Estado e sector público só sugiro que se informe sobre concursos de oferta de escola e veja no que isso deu. Umas pistas aqui:

12.  “Ou seja, a Educação precisa de uma organização equivalente àquela que hoje existe em todos os outros setores do Estado.” O uso da palavra “equivalente” indica que não sabe qual seja e, por isso, só não queira esta, mesmo talvez não entendendo que esta é a “equivalente” para as especificidades que a educação tem. Como explicar o que era isso da escola descentralizada era o ponto do texto, acaba a saber a desilusão.
13.  “Pelo contrário, espera-se que, um dia destes, os bons professores, que não compreendem as colocações, que não entendem os critérios, que são prejudicados pelas regras cegas, que estão fartos dos paizinhos e da indisciplina, que têm uma vocação que tem sido desrespeitada e muitas vezes mal compreendida, se organizem e exijam o fim de um modelo centralista e absurdo.” O problema está em ligar na mesma frase “bons professores” com “não entender os critérios”. E sobre a indisciplina só lhe digo que, não me interprete mal e me permita dizer-lhe que era um bom caminho não ter “30 alunos por turma” (são menos no máximo em alguns níveis de ensino mas deixo ao seu cuidado pesquisar os detalhes) ….

Espero continuar a lê-lo com o prazer que isso me dá, pela provocação e acutilância, e pelo gosto de discordar, mas não deixo de lhe dizer que, ao vê-lo a falar assim da matéria da minha vida, me desanimou sobre o que lerei de si noutros temas. Mas continuarei leitor.