vistodaprovincia

1.11.2012

Revisão curricular: Sindicatos a fazer serviço ao debate, Crato a escrever em “eduques”, trabalhos oficinais de regresso – o mundo a andar para trás?

O SPGL fez um bom serviço. Apesar de verborreia na introdução, no documento, hoje divulgado, apresenta um resumo objectivo das medidas da revisão curricular. Convidam os directores a olhar o problema antes das reuniões da malta das trincheiras com o general do exército de mais de 175 mil trabalhadores de educação … O resumo ajuda a pensar a opinião e, por isso, andando a pensar nisso há semanas, aceito o convite.

Quando tento opinar sobre estas coisas levo com uma critica: penso pouco “O” currículo e falo sempre mais de questões de desenho de aplicação.

Sinceramente vive-se bem com esta critica num contexto em que “O” currículo essa entidade fantasmagórica abstracta acaba sempre a focar as discussões e menos se fala da sua pratica e do que dele fica oculto nessa realidade quotidiana.

Então aqui ficam – Medidas, comentários e o que ocorre perguntar sobre elas a um provinciano professor de história, há quase duas décadas, vianense, de formação mista entre as humanidades e a gestão, e que vai acabar a gerir a aplicação do que resultar disto tudo no talude de combate de um agrupamento de 1000 alunos, 6 escolas e uns 150 professores.

Medida 1 – Manutenção do apoio ao estudo e de outras actividades de enriquecimento curricular no 1º ciclo – Alguém consegue ser de base contra isto? Ia-se tirar? Mas as “actividades para entreter crianças” vão deixar de o ser e passar a ser mais organizadas e coordenadas com a gestão das escolas? E em vez de contratados a recibo verde ou doutros precários, por conta de câmaras, empresas e associações de pais, com instáveis horários desarrumados, vai haver poupança e racionalidade e usar os professores sobrantes de EVT, Educação Musical e 1º ciclo, acabar com a conversa fiada das parcerias, dar poder aos professores e fazer delas realmente um projecto pedagógico integrado na vida das escolas?

Medida 2 – Obrigatoriedade de escolha do Inglês no 5º ano – Isto nem chega a ser uma medida. Deviam ser muito raras as escolas em que havia outra situação. Mas vai haver coordenação com aquela coisa lúdico-pastosa do inglês no 1º ciclo?

Medida 3 – Separação da EV da ET no 2º ciclo, leccionadas, cada uma, por um professor – Esta acaba por ser a verdadeira medida de corte ao ressuscitar em downgrade no 2º ciclo os trabalhos oficinais ou manuais. As outras servem para disfarçar? De lado a questão do corte e o problema dos professores (e dou por agora de barato a garantia de emprego aos professores do quadro) a discussão acaba por ser curricular. Tem o ministro noção, alem da lógica do corte, das razoes por que volta para trás?

Medida 4 – Oferta de um apoio diário ao estudo ao 2º ciclo (5 tempos semanais) – Outra em que estar contra não se verifica fácil. Mas o tempo vai ser para todos? Só para alguns? Mantém-se a burocracia insana dos planos de recuperação e acompanhamento? E para os professores, os tempos vão ser curriculares e, por isso, lectivos ou são de apoio ao currículo e, por isso, não lectivos? Fez as contas da componente não lectiva que tanto despacho e circular manda ocupar de tarefas e ver se sobra ainda alguma? Há a noção de que numa escola com 20 turmas com 5 tempos não lectivos aqui não sobra mais nada? Que não vai haver coordenadores? Serviços de apoio na informática? Educação para a saúde? Tutorias? Estes tempos vão ser lectivos, certo? Ou doutra forma vai haver credito horário para isto….

Medida 5 – Antecipação do estudo das TIC para o 2º ciclo. Esta também não se discorda por princípio. As TIC continuam, e talvez numa idade em que se pode prevenir a construção de hábitos de utilizador que centram tudo no lúdico e no social e, não tanto, no cientifico e cultural.

Medida 6 – Manutenção do reforço a LP e a Matemática. Isto já existe este ano com as horas no início acrescentadas. No agrupamento onde trabalho, há 3 anos que fizemos isso por conta de sermos TEIP e curiosamente sem cortar na EVT. Mas será que alguém quer saber?

Medida 7 - Eliminação do desdobramento a CN no 2º ciclo, por se considerar que a actividade experimental pode ser feita com a turma toda. Esta não se pode concordar. Tive uma formação científica forte, filho que fui de uma professora de biologia que me mostrava a ciência em casa, na praia ou em qualquer lugar. Por isso, custa-me ver reduzir a personalização do acesso dos alunos a experiências. Tem-se consciência que a turma toda podem ser 26? E porque não fazer uma AEC de ciências naturais no 1º ciclo? (no agrupamento onde estou a Câmara ajudou nisso e tem dado bons frutos).

Medida 8 – Reforço da carga horária das ciências experimentais no 3º ciclo, como aposta no conhecimento científico (mais 2 tempos nos 7º e 8º anos e mais 1tempo no 9º ano, no conjunto das duas disciplinas). Ninguém discorda em princípio. No jogo do racionamento, como dizia Sobrinho Simões, no Contracorrentes da SIC, e no jogo com as outras áreas disciplinares, se vai ver….

Medida 9 – Alteração do modelo de desdobramento das disciplinas de CN e de FQ no 3º ciclo, passando a ser “em alternância” – Contradição com a 8 e, o que quer dizer, para a pratica dos da trincheira, isso da alternância?

Medida 10 – Reforço da carga horária de História e de Geografia no 3º ciclo (mais 1 tempo no 7º ano e mais 1 tempo no 9º ano, no conjunto das duas disciplinas), como valorização do conhecimento social e humano – Nada contra, mas vai ser nos programas e coordenação entre ciclos que se vai ver essa ideia da “valorização” que devia ser do conhecimento histórico, social, do território e das humanidades (o que parece bizantinice de distinção na linguagem mas significa conceito bem diferente e trabalho mais profundo que mercearia de horas).

Medida 11 – Eliminação da Formação cívica e “manutenção da relevância dos seus conteúdos de modo transversal” – A medida mais infeliz de todas (em parelha com a EVT) mesmo que a formação cívica não tenha sido o que se desejava ver quando surgiu. Há uns anos, creio que foi António Barreto que lembrou que Salazar tinha a “organização política e administrativa da Nação” de infausta memória. O que tem a Democracia para educar nos seus valores? E tirando ter de justificar o corte, “modo transversal” não soa a eduques e bem baratinho? Ou surge por estes dias um novo dialecto “educrates”?

Medida 12 - Manutenção do reforço da carga horária de FQ e Biologia no ES e Medida 13 - Actualização do leque de opções “tendo em conta o prosseguimento de estudos e as necessidades do mercado de trabalho”:

Destas, do pouco que sei, não discordo. Mas falo pouco do que não sei. Do secundário sei de ter estudado e um ano lectivo docente há quase 20 anos. E não quero cair no erro de muitos, que julgam saber falar de organizar e fazer funcionar escolas, apenas por terem estudado numa.

Medida 14 - “Focalização do aluno no conhecimento fundamental” no 3º ciclo, com a coordenação das disciplinas, proporcionando uma melhor gestão do tempo de estudo e redução do número de opções no final do ES (?) – Não se percebe realmente e, por isso, e por soar a eduques cerrado não se consegue ter opinião. `As tantas vai ser aqui que entram os da trincheira ou então houve aqui um desvio discursivo qualquer.

Medida 15 – Liberdade da escola para a distribuição da carga horária ao longo dos ciclos e anos de escolaridade – esta coisa de se falar de liberdade a torto e direito faz-me sempre lembrar a minha matriz kantiana. Liberdade não pode ser desregulaçao e liberdade verdadeira acaba por ser autonomia da vontade. Ora, como resolver o problema de os equilíbrios decisórios nos órgãos das escolas serem feitos pelo número de professores, que para certas áreas são poucos, por comparação com grupos maiores? Ou a liberdade vai ser para os directores? Eu que o sou, acho muito mal. Mas isto não nos coloca, e perto do fim da lista das medidas, na discussão da organização da escola para la´ do currículo?

Medida 16 – Maior rigor na avaliação: exames finais no 2º ciclo e regime de precedências entre o EB e o ES. Nada contra os exames, desde que se levem em conta as nefastas consequências que a sua aplicação radical pode trazer. As melhores escolas e os melhores professores não são os que produzem melhores notas. A relação professor/aluno tem de levar em conta que um excelente professor dum TEIP (e Darque consta nesse grupo) pode ter toda a gente a tirar 3 no exame (e uns 2…) mas conseguiu num ano inteiro tirar muitos alunos da cama, mesmo que os pais se esqueçam, faze-los acalmar, quando se excedem ou motiva-los mesmo que tenham fome e pensem nos dramas domésticos. Esses 3 valem pelos 1 recuperados ou pelo abandono que se combateu…. E custam. Para quando um índice económico e social dos territórios escolares, associado aos resultados, como há no Brasil e se tentou em tempos na IGE? Numa escola em todos os pais tem emprego, há dinheiro para dentista e ferias e ninguém passa fome, alguém estranha que se tirem boas notas? Como dizia a minha avo quando me ufanava das minhas notas …. “não tens outras cabras para guardar”…. Mal julgava ela que 80 anos depois dela começar a leccionar o seu neto poderia falar de alunos do básico que faltam a aulas para cuidar de irmãos ou trabalhar (e que esse neto há uns anos ainda teve alunos que antes de ir para a escola pastoreavam cabras….).

Sobre as precedências a ideia custa a entrar e, em especial, porque, vinda de quem tanto defende a liberdade de escolha de escola, se estranha a proibição de escolha de disciplinas …. Acho que vai ser daquelas coisas que, na trincheira, se vai moderar com orientação vocacional (houvesse psicólogos) … Nestas coisas lembro sempre Churchill, péssimo aluno a inglês no básico, que falava como falava e ganhou o premio Nobel da Literatura…. Imaginem que lhe vedavam a literatura inglesa no secundário por causa das notas do básico ….