vistodaprovincia

1.22.2013

Demagogia pura: subsídio de desemprego para os políticos já


Ao longo da minha vida tenho participado na vida colectiva com as limitações patentes e insuperáveis da minha pessoa mas sempre fazendo um esforço para ser racional e evitar a demagogia.
Tive actividade política e associativa. Na política participei num partido e numa juventude partidária e não me envergonho nada disso. Aliás, tenho o orgulho de isso me ter dado a oportunidade de trabalhar com o mais ilustre político meu conterrâneo, de partilhar as suas memórias de deputado constituinte, testemunha da construção da democracia e de opositor ao Salazarismo.
A saída da política evidencia a moralidade do que lá andei a fazer.
E não guardo frustrações disso pois como digo: quem escolhe o seu caminho não tem de se lamentar. E, por isso, digo, com desagrado de muitos que conversam comigo, que nem todos os políticos são gente desqualificada, nem todos os políticos são oportunistas que não querem saber do povo, nem todos os políticos (nem a maioria) são corruptos ou desonestos. Nem todos mentem e nem todos ignoram o bem comum e a sua defesa.
Por isso, acho que a demagogia niilista não se justifica e muito menos meter tudo no mesmo saco. Tendo um conhecimento interno relativamente próximo da política e seus mecanismos acho que se deve sempre evitar a demagogia de rotular os políticos como podres e deitar fora. Isso abre caminho à ditadura e ignora que se os políticos forem assim é porque a sociedade o será também.
Mas a leitura das ideias expostas aos jornais pela Senhora Presidente da Câmara de Palmela, em que justifica o seu precoce pedido de reforma pela natureza “especial” das suas funções, além de achar que são insulto à inteligência dos seus concidadãos, faz-me baixar estas barreiras à demagogia. Adaptando um jingle da Rádio Cidade, há uns anos, acho que se lhe pode dizer: a ideias estúpidas, respostas demagógicas….

A hora da demagogia simplista….

À Senhora Presidente da Câmara de Palmela acho que a única resposta é mesmo, mesmo, a demagogia. E de uma forma que nem precisa de muito texto para se expressar.
Meia dúzia de pontos apenas: a ilustre senhora, “the special one”, foi eleita pelo PCP, o que justificaria, perante os pergaminhos deste partido, que a convidassem a sair e não, como diz no seu texto, o voto de confiança que lhe terá sido dado. Logo agora que se começava a ver pelo rumo das ideias alguma capacidade de previsão em certas posições sensatas do partido deixa-se enlamear desta forma por uma autarca pobre de espírito? O que diria disto Álvaro Cunhal, alguém que tive a honra de conhecer e que, mesmo na divergência, acho que continua referência moral e de patriotismo?
Depois vem a senhora dizer que a contagem do tempo de serviço a dobrar é um "tratamento especial para pessoas que exercem funções em condições especiais". E diz mais: "Em nenhuma outra situação é normal que uma pessoa, depois de estar em funções numa instituição durante 20 anos, saia de lá e que não tenha, por exemplo, um subsídio de desemprego". A pergunta era feita no contexto da moralidade do seu benefício face às dificuldades do país. E de forma definitiva, a autarca aposentada esclarece o seu ponto de vista: o assunto nada tem a ver com a moralidade. E eu, demagogo temporário, respondo que tem tudo a ver.
A primeira observação é que políticos que cessam funções, depois de muito ou pouco tempo nelas, não precisarão de subsídio de desemprego se tiverem emprego antes de o serem. E às tantas serão melhores políticos se não forem só políticos.
Na verdade, a Lei, e bem, protege o exercício de funções politicas (por exemplo, um vereador que tenha emprego público tem o tempo contado para a sua carreira e, se tiver emprego privado, está protegido na segurança do seu posto de trabalho prévio). Portanto, a senhora não precisa de aposentação se tiver emprego e já nem refiro o requisito de carreira ou vida fora da política. O currículo público da senhora não permite esclarecer mas ajuda a enquadrar a perspectiva. http://www.aml.pt/aml/junta-metropolitana/c/palmela/
E depois é preciso topete para fazer tábua rasa do capital social adquirido como autarca e comparar-se aos desvalidos que caídos no desemprego não sobrevivem sem essa rede (cada vez mais esburacada) por falta de contactos e oportunidades. E falar disso, em contraponto ao seu subsídio vitalício de desemprego!!! E é esta senhora socióloga…

Os outros “especiais” privilegiados

Mas a minha alma de demagogo temporário ainda fica mais endurecida quando vi a sua referência a outras “profissões” que tem direito semelhante a aposentação antecipada. Alusão que, até pode nem ter sido pensada assim, mas às tantas visa os professores. O demagogo sou eu mas é a “senhora autarca profissional quase desempregada” que se compara a docentes que se reformam aos 60 anos, depois de 35 ou até mais de serviço, com salários cortados a 20 ou 30%? Às tantas este meu texto já caiu realmente na demagogia mas tais ideias são simplesmente pornográficas…
Veja-se este naco de prosa: "Eu acho que a questão se deve colocar, efectivamente, no campo dos direitos que damos àqueles que também se colocam ao serviço do país, da democracia e das instituições políticas", reforçou a autarca comunista de Palmela, lembrando que há muitos outros autarcas na mesma situação. Estou ao serviço e, curiosamente como dirigente público, do país, da democracia e das instituições (e da sociedade e da luta contra a ignorância) e só me vou reformar aos 65 (com 46 de trabalho) e ganho menos de metade do salário da senhora autarca. Este mês, quem sabe se para ficar mais disponível para o serviço, tive direito, além dos outros todos, a um corte especial de uns 30 euros que só abrangeu a minha categoria funcional. Mas, como é para todos como eu, acho que não é moral queixar-me (como não é moral vir gabar-se a senhora) e… reforma aos 65 ou 67 venha ela se chegar a tê-la….
Sócrates também dizia que certas coisas eram legais e, por isso, a moralidade não interessava. Relvas diz o mesmo sobre a sua legalíssima licenciatura. A Constituição de 33 e as leis de Nuremberga dos anos de chumbo da Alemanha também eram legais…. E desculpem o exagero demagógico.
Mas aproveito a única ideia válida do raciocínio justificativo: subsídio de desemprego já para todos os políticos já que, se muitos o tiverem, é sinal de que muitos ficaram desempregados e começamos a resolver o problema das moscas, se não resolvermos a sua causa….

Luís Sottomaior Braga