Demagogia pura: subsídio de desemprego para os políticos já
Ao longo da minha vida tenho participado na vida
colectiva com as limitações patentes e insuperáveis da minha pessoa mas sempre
fazendo um esforço para ser racional e evitar a demagogia.
Tive actividade política e associativa. Na política
participei num partido e numa juventude partidária e não me envergonho nada disso.
Aliás, tenho o orgulho de isso me ter dado a oportunidade de trabalhar com o
mais ilustre político meu conterrâneo, de partilhar as suas memórias de
deputado constituinte, testemunha da construção da democracia e de opositor ao Salazarismo.
A saída da política evidencia a moralidade do que
lá andei a fazer.
E não guardo frustrações disso pois como digo: quem
escolhe o seu caminho não tem de se lamentar. E, por isso, digo, com desagrado
de muitos que conversam comigo, que nem todos os políticos são gente
desqualificada, nem todos os políticos são oportunistas que não querem saber do
povo, nem todos os políticos (nem a maioria) são corruptos ou desonestos. Nem todos
mentem e nem todos ignoram o bem comum e a sua defesa.
Por isso, acho que a demagogia niilista não se
justifica e muito menos meter tudo no mesmo saco. Tendo um conhecimento interno
relativamente próximo da política e seus mecanismos
acho que se deve sempre evitar a demagogia de rotular os políticos como podres
e deitar fora. Isso abre caminho à ditadura e ignora que se os políticos forem
assim é porque a sociedade o será também.
Mas a leitura das ideias expostas aos jornais pela
Senhora Presidente da Câmara de Palmela, em que justifica o seu precoce pedido
de reforma pela natureza “especial” das suas funções, além de achar que são
insulto à inteligência dos seus concidadãos, faz-me baixar estas barreiras à
demagogia. Adaptando um jingle da Rádio Cidade, há uns anos, acho que se lhe
pode dizer: a ideias estúpidas, respostas demagógicas….
A hora da demagogia simplista….
À Senhora Presidente da Câmara de Palmela acho que
a única resposta é mesmo, mesmo, a demagogia. E de uma forma que nem precisa de
muito texto para se expressar.
Meia dúzia de pontos apenas: a ilustre senhora, “the
special one”, foi eleita pelo PCP, o que justificaria, perante os pergaminhos
deste partido, que a convidassem a sair e não, como diz no seu texto, o voto de
confiança que lhe terá sido dado. Logo agora que se começava a ver pelo rumo
das ideias alguma capacidade de previsão em certas posições sensatas do partido
deixa-se enlamear desta forma por uma autarca pobre de espírito? O que diria disto
Álvaro Cunhal, alguém que tive a honra de conhecer e que, mesmo na divergência,
acho que continua referência moral e de patriotismo?
Depois vem a senhora dizer que a contagem do tempo
de serviço a dobrar é um "tratamento
especial para pessoas que exercem funções em condições especiais". E
diz mais: "Em nenhuma outra situação
é normal que uma pessoa, depois de estar em funções numa instituição durante 20
anos, saia de lá e que não tenha, por exemplo, um subsídio de desemprego".
A pergunta era feita no contexto da moralidade do seu benefício face às
dificuldades do país. E de forma definitiva, a autarca aposentada esclarece o
seu ponto de vista: o assunto nada tem a ver com a moralidade. E eu, demagogo
temporário, respondo que tem tudo a ver.
A primeira observação é que políticos que cessam
funções, depois de muito ou pouco tempo nelas, não precisarão de subsídio de
desemprego se tiverem emprego antes de o serem. E às tantas serão melhores políticos
se não forem só políticos.
Na verdade, a Lei, e bem, protege o exercício de
funções politicas (por exemplo, um vereador que tenha emprego público tem o
tempo contado para a sua carreira e, se tiver emprego privado, está protegido
na segurança do seu posto de trabalho prévio). Portanto, a senhora não precisa
de aposentação se tiver emprego e já nem refiro o requisito de carreira ou vida
fora da política. O currículo público da senhora não permite esclarecer mas
ajuda a enquadrar a perspectiva. http://www.aml.pt/aml/junta-metropolitana/c/palmela/
E depois é preciso topete para fazer tábua rasa do
capital social adquirido como autarca e comparar-se aos desvalidos que caídos
no desemprego não sobrevivem sem essa rede (cada vez mais esburacada) por falta
de contactos e oportunidades. E falar disso, em contraponto ao seu subsídio
vitalício de desemprego!!! E é esta senhora socióloga…
Os outros “especiais” privilegiados
Mas a minha alma de demagogo temporário ainda fica
mais endurecida quando vi a sua referência a outras “profissões” que tem
direito semelhante a aposentação antecipada. Alusão que, até pode nem ter sido
pensada assim, mas às tantas visa os professores. O demagogo sou eu mas é a “senhora autarca profissional quase
desempregada” que se compara a docentes que se reformam aos 60 anos, depois
de 35 ou até mais de serviço, com salários cortados a 20 ou 30%? Às tantas este
meu texto já caiu realmente na demagogia mas tais ideias são simplesmente
pornográficas…
Veja-se este naco de prosa: "Eu acho que a questão se deve colocar, efectivamente, no campo
dos direitos que damos àqueles que também se colocam ao serviço do país, da
democracia e das instituições políticas", reforçou a autarca comunista
de Palmela, lembrando que há muitos outros autarcas na mesma situação. Estou
ao serviço e, curiosamente como dirigente público, do país, da democracia e das
instituições (e da sociedade e da luta contra a ignorância) e só me vou reformar
aos 65 (com 46 de trabalho) e ganho menos de metade do salário da senhora
autarca. Este mês, quem sabe se para ficar mais disponível para o serviço, tive
direito, além dos outros todos, a um corte especial de uns 30 euros que só
abrangeu a minha categoria funcional. Mas, como é para todos como eu, acho que
não é moral queixar-me (como não é moral vir gabar-se a senhora) e… reforma aos
65 ou 67 venha ela se chegar a tê-la….
Sócrates também dizia que certas coisas eram
legais e, por isso, a moralidade não interessava. Relvas diz o mesmo sobre a
sua legalíssima licenciatura. A Constituição de 33 e as leis de Nuremberga dos
anos de chumbo da Alemanha também eram legais…. E desculpem o exagero
demagógico.
Mas aproveito a única ideia válida do raciocínio justificativo:
subsídio de desemprego já para todos os políticos já que, se muitos o tiverem,
é sinal de que muitos ficaram desempregados e começamos a resolver o problema
das moscas, se não resolvermos a sua causa….
Luís Sottomaior Braga