Doutor Crato: faça as contas!
Nuno Crato não sabe matemática suficiente
para ser Ministro da Educação.
Porque quem só sabe de Matemática
nem de Matemática sabe.[1]
Muitos que
leiam dirão que ensandeci. Logo eu que não passei do 9º ano de Matemática e de
umas cadeiras de estatística na faculdade.
Afinal digo
isto do Senhor Matemática. Aquele doutorado
em Matemática que passou anos a cimentar o caminho para chegar a Ministro, a
alegar a geral ignorância matemática do país mas que mostra hoje, à exaustão,
que o seu elevado conhecimento não atinge as coisas simples e pragmáticas e que
deixa que o seu amor pela ciência seja pervertido em injustiça. E não
quero acreditar que tenha consciência disso. Era muito mau.
Para explicar:
Imaginem que
queriam medir uma realidade qualquer. Por exemplo, o custo comparado de uma
mesma refeição em vários restaurantes.
Provavelmente,
o método mais simples era calcular o preço de cada um dos ingredientes de cada
refeição. A quantidade de alguns mede-se em litros (vinho ou água, por
exemplo), a de outros, em unidades de tempo (o tempo de trabalho do cozinheiro
gasto em cada uma) e ainda, a de outros, em unidades de peso (kg de carne ou
grama de manteiga).
Para comparar
o custo de cada refeição era preciso fazer contas do tipo: x kg de carne,
multiplicados pelo custo em euros por kg; y centilitros de vinho, multiplicados
pelo custo em euros de cada centilitro (na minha escola primária dizia-se que
se reduzia de litro a centilitro); custo em euros do tempo de trabalho do
cozinheiro na confecção da refeição, etc e tal (sendo que o tal era repetir a operação até
determinar em euros o custo de cada parcela envolvida na confecção e depois
somá-las).
No fim,
chegaríamos a resultados comparáveis entre si em euros, para cada
refeição, correspondentes a um preço comparável com outros porque todos foram
calculados pela mesma metodologia.
Se duas
pessoas diferentes calcularem preços muito diferentes, por exemplo, se a mesma
sopa, do mesmo restaurante, custar para o Manuel, 25 euros e para o José, 2,5
euros, um deles, ou até os dois, estarão provavelmente errados.
Agora imaginem
que para comparar a realidade conceptual “competência
de um professor para ser contratado no Ministério da Educação português” em
vez de usar, para produzir a fórmula de comparação, valores baseados na mesma
unidade, somo, e diga-se isto de forma simples, alhos com bugalhos, kgs com
litros, horas de formação com anos de serviço (sem critério nenhum, sem
equilíbrio de pesos e sem, como se diria na instrução primária, reduzir à mesma
unidade) e que meto tudo, tipo salada, dentro da fórmula. E adiciono
percentagens de realidades cuja quantidade é medida em unidades e escalas
diferentes.
E imagine-se
que, no fim, ao comparar o resultado (a classificação obtida para cada professor,
que indica o nível da sua competência para ser contratado) o resultado era
diferente, conforme se estava a concorrer em Faro ou em Bragança (cá sei porque
me lembrei desta terra…) e isto para leccionar a alunos de anos semelhantes,
com perfis semelhantes, à mesma disciplina. O Manuel concorre a Faro e fica
pontuado com 35, por exemplo, mas, em Bragança, já vale 65 …. (o Manuel não
existe mas os exemplos reais são ainda piores).
Adeus país
unitário, viva a micro-regionalização da selecção de professores!
E já nem digo
que cursos da treta de 25 horas podem valer mais que décadas de experiência
lectiva.
E porquê? Porque
as fórmulas em cada escola são conforme dá na veneta do seu director, e, saídos
os resultados, continuam secretas, e nem se pode discuti-las porque recusam
mostrá-las na sua totalidade e o procedimento inclui a soma de percentagens de
valores, calculados com unidades diferentes e não convertidos à mesma unidade
(o que significa que é impossível reconstruir a forma como as contas foram feitas
sem ter a fórmula usada ainda que se tenham todos os dados: o que significa que
foram feitas ao calhas).
Crato quis ser
Ministro. Diria mesmo que desejou ardentemente. Por isso, não pode alegar má
vontade no julgamento. Paula Teixeira da Cruz de certeza que não quis que o
Citius borregasse e deve julgar que fez o possível para o evitar. Pessoalmente talvez
não seja responsável mas é-o politicamente porque, por muito bem intencionada
que seja, o facto é que o sistema está parado e a gerar a injustiça de não
haver Justiça.
Crato tem o
mesmo desafio. Para se acreditar que não é politicamente responsável pelas
trapalhadas e injustiças da Bolsa de contratação de escola, que afectam
milhares de pessoas, quer os candidatos quer as suas famílias, tem de fazer o seguinte
acto simples: pedir as fórmulas de cálculo usadas em cada escola na Bolsa de
contratação de escola, que nem os candidatos viram. Depois faz algumas contas simples
e percebe os efeitos de injustiça gerados pela matemática ao acaso que se usou no
caso. (Por exemplo, como se soma 50% de uma coisa, medida numa escala de valores,
cuja base é 0 a
20, com 50% de outra em escalas de 0
a 100 pontos? Na minha instrução primária explicaram-me
como se faz; a DGAE ainda precisa de estudar isso).
Para quem
tanto disse que a Matemática faz falta à sociedade e até à justiça e equilíbrio
social não há-de ser um esforço muito grande fazer as continhas.
Se fizer as
contas estou certo que percebe. Meia hora depois despede os informáticos que
fizeram a bolsa de contratação.
Nota final:
Este assunto
já cheira mal tal a podridão de imoralidade a que se chegou.
Para
abordagens mais profundas (e com o desgosto de ver que a irracionalidade vence,
porque já ninguém tem tempo de ler explicações, que sejam um pouco mais complexas,
e, por isso, se aceita a simplicidade da injustiça) relembro os textos deste
blog que se seguem. Pode ser chato mas bem mais incómodo é ver a injustiça e não fazer nada.
www.vistodaprovincia.blogspot.pt/2014/03/levo-sopa-ou-apanham-se-moscas.html
www.vistodaprovincia.blogspot.pt/2014/03/bolsa-de-contratacao-mudar-o-nome-m.html
www.vistodaprovincia.blogspot.pt/2013/01/concurso-do-iefp-constituicao-nao.html
www.vistodaprovincia.blogspot.pt/2012/09/escolher-os-melhores-viva-autonomia.html
www.vistodaprovincia.blogspot.pt/2012/03/oferta-de-escola-criterios-objectivos.html
www.vistodaprovincia.blogspot.pt/2011/09/carta-um-matematico-pela-salvacao-de.html
www.vistodaprovincia.blogspot.pt/2014/03/bolsa-de-contratacao-mudar-o-nome-m.html
www.vistodaprovincia.blogspot.pt/2013/01/concurso-do-iefp-constituicao-nao.html
www.vistodaprovincia.blogspot.pt/2012/09/escolher-os-melhores-viva-autonomia.html
www.vistodaprovincia.blogspot.pt/2012/03/oferta-de-escola-criterios-objectivos.html
www.vistodaprovincia.blogspot.pt/2011/09/carta-um-matematico-pela-salvacao-de.html
[1] Esta
frase é uma adaptação livre da frase de Abel Salazar, ilustre médico que deu
nome a uma instituição de ensino e investigação de excelência da Universidade
do Porto e no seu caso queria dizer que quem usar a medicina sem pensar nas
pessoas vai ser mau médico.