Notas a Rui Moreira: o bloco e a sala de aula….
Notas a Rui Moreira: o bloco e a sala de aula….
Curiosamente estou a escrever este texto no
dia (6 de Agosto) em que passam 2 anos sobre o falecimento da minha Mãe.
Professora mais de 35 anos em diversos “liceus”, depois escolas secundárias,
costumava queixar-se de que sendo altamente especializada em educação (e em
gestão dela), a sua opinião, como de tantos outros professores, nunca era
considerada no que realmente interessa nas políticas educativas, quer pela
desvalorização social que se colou aos professores, que os faz ser ignorados,
quer pelo facto de o meio dominante, do que chamaria com simpatia a “oportunidade politica”, excluir a
opinião dos professores por alegadamente ser corporativa.
Naturalmente que, nesse meio, ninguém exclui
por corporativa a opinião de empresários de transportes sobre a política de
transportes mas, como dizia a minha mãe, e já repeti várias vezes, muita gente
opina sobre escolas, com base no pressuposto de que andou numa, mas “a verdade
nua e crua” é que ninguém se sentirá realmente habilitado para perorar sobre a
organização de blocos cirúrgicos só com base em ter sido operado.
Em termos simples, isto serve para dizer que
começa a ser tempo de em vez de uma opinião dominante sobre educação, mais ou menos gasosa, de quem
julga saber coisas sobre a organização das escolas (organizá-las e “pô-las”, a
produzir conhecimento é uma tarefa técnica tanto mais que organizar um hospital
ou gerir um aeroporto) devia deixar ver-se alguma opinião técnica dos que nas
entranhas delas a conhecem e sabem como mudar. Só na educação se acha que se
pode fazer mudanças e melhorias, vulgo “reformas”,
contra e em guerra os que dela efectivamente fazem a sua vida e a estudaram
como saber técnico especializado.
Tudo isto a propósito do texto sobre escolas
de um cronista, Rui Moreira, cujo tom acutilante e objectivo gosto de ler,
mesmo quando não concordo. Defensor da região Norte como também sou, temos
alguns pontos de vista comuns.
A diferença é que, a sua natureza de figura
pública o habilita a falar de tudo, mesmo aquilo em que patentemente precisa de
mais informação. Eu provinciano vianense, que muito embora tenha estudado
“num liceu público”, sou um orgulhoso professorzeco do ensino básico, posso
falar com algum conhecimento preciso apenas de escolas e educação e por isso ficam as notas que me ajudaram a pensar o que li.
Pela
escola descentralizada – ponto por ponto
Afastada a ideia de que possa ter alguma
animosidade pessoal (ou clubística, coisa a que não ligo) discutamos as ideias,
tentando um comentário ponto a ponto ao que dizia Rui Moreira no seu texto do
JN
1.
Abre o
texto com uma crítica ao comportamento pouco edificante de alguns sindicalistas
no parlamento. Estranhamente, até concordo consigo, mas tolero a situação
limite, na linha do que Mário Soares (que, descobri com alegria, terá apoiado
numa candidatura presidencial) chamou o “direito
à indignação”. Quando não há diálogo, nem audição, essas são as coisas que acontecem….
2.
Fala
depois das turmas com 30 alunos (na verdade não são para todos os níveis de
ensino 30, o máximo até poderá ser menor e varia com os níveis de ensino…. lá está
a imprecisão técnica). Choca-o o escândalo dos professores com isso e das “federações dos paizinhos, cuja
representatividade conhecemos” (por estas é que gosto dos seus textos… mas
atenção ao respeito institucional, que também vale para as entidades da
sociedade civil e não só para o Parlamento).
3.
Nesse
ponto do texto entra no domínio do que critico acima. Sobre a escola de hoje
vai buscar a comparação da escola do seu tempo (pela sua biografia publicada,
coisa para os anos 60/70): “Ora, quanto
ao número de alunos por turma, e sabendo que a realidade é hoje bem diferente,
nomeadamente no que diz respeito a disciplina, lembro-me que fiz todo o
Secundário em liceus públicos, e sobrevivi em turmas que por vezes excediam os
40 alunos. Sucede também que no actual ensino privado há escolas que tem 30
alunos por turma, e que nem por isso deixam de funcionar.” A palavra
sobrevivi, diz tudo. Mas, como lhe disse também estudei em liceus públicos, e
até em estabelecimentos de orientação pedagógica não portuguesa, mas o que se
passava no meu tempo não é transponível para hoje. A tradição familiar
permite-me ter uma visão de longo prazo. A minha tia de 97 anos foi professora primária
em 1940 de turmas com 60 ou 70 alunos. Como ela diz sabiamente: provavelmente
preferia uma turma dessas, em 1940, que uma de 20 hoje. E a indisciplina é uma
realidade BEM diferente (ou melhor, mal…).
4.
E agora
imagine que era ainda mais presunçoso e lhe dizia: como eu acabei o ensino
secundário com média 20, num liceu público, em 1989, com turmas de 30 e mais, é
exigível a todos coisa parecida…. Pois… o mundo não gira à volta do eu e das
suas circunstâncias….
5.
E diz
depois “Não existe uma correlação directa
entre o aproveitamento escolar e o rácio de professores por aluno. Prova disso
é que o ensino não melhorou nos últimos anos. Bem pelo contrário.” Sobre
esta frase, que é todo um mundo de ideias feitas, imprecisas e mal fundadas,
para a discutir preciso que defina “correlação”,
“aproveitamento” (sucesso escolar ou
educativo? por exemplo), que fórmula de cálculo do rácio usa e o que entende
por “melhorar” (ou piorar) num
contexto sistemático. Reduzir o abandono escolar aos níveis actuais, por
comparação com os anos 70 foi, por exemplo, piorar? E já agora, quantos anos de
aulas deu a turmas aí com 25 alunos no ensino básico (mesmo disciplinadas)?
Acredite que fora de estudos abstractos (que o desafio a mostrar) é “ver claramente visto”….
6.
Cita
depois dados estatísticos, cuja estrutura interna de análise está errada (o
ratio aluno/professor é compósito e não se limita ao número de alunos na sala e
inclui professores que o são, mas não dão, nem devem dar aulas). Afirmação
ousada é dizer que esses números inconsistentes são “a realidade nua e crua e que se sustenta em números: por cada
professor, existem, na escola pública, menos de oito alunos.” E quantos
existem por cada professor que realmente lecciona a turmas? (desconte
professores do ensino especial individualizado, bibliotecários, disciplinas de
opção com número reduzido – exemplo que sei lhe é caro: alemão – ou latim,
direcções das escolas, horas para direcção de turma não lectivas, etc e terá
outro número). Fazem falta, certo? Não sabe, com certeza, mas olhe que “a
verdade nua e crua” o surpreenderia. E, já agora, diga-me lá quais são os
colégios que tem mais de 30 alunos por turma….
7.
“Não conheço nenhum capítulo da (…) lei
fundamental que garanta que a escola tem de assegurar emprego a todos quantos
têm formação para dar aulas, tanto mais que são muitos os professores que
tiraram cursos não diretamente vocacionados para o ensino, como sucede com a
Economia, ou com o Direito.” Eu, professor profissionalizado, tenho um, de
História, na Universidade que sei que também considera, e de cujo Senado faz
parte (como eu também fiz) e não considero um favor do Estado o dinheiro que
mensalmente recebo a título de salário pelo meu trabalho. Lamento que coloque
esse dinheiro suado ao nível da esmola.
8.
“Por isso, muitos professores terão de
procurar outras oportunidades, ou estarão condenados ao desemprego.” Talvez tenha razão mas isso não deve deixar
de justificar reflexões sobre o custo público de os ter a fazer outras coisas
quando o nível educativo do país ainda os justifica na sua profissão e na
actividade docente.
9.
“Entretanto, os professores com horário zero
irão para uma bolsa de substituição e depois, nos próximos anos, serão usados
para reduzir o número de contratados. Entende-se que se sintam ameaçados por
isso? Claro que sim, mas dificilmente se compreendem as reclamações dos
sindicatos que nunca se insurgiram no passado contra o facto de haver muitos
professores que gozavam desse privilégio, até porque muitos deles eram,
precisamente, dirigentes sindicais.” Grande confusão em quem lhe passou a cábula ou no sítio onde se informou.
Era longo explicar mas o sistema realmente não é, nem deve ou pode ser assim.
10.
“A gestão dos recursos humanos a partir do
Ministério não pode funcionar.” Prove lá isso e não se esqueça de que os liceus públicos dos anos 70
funcionavam com um sistema ainda mais centralizado e com turmas bem maiores, e
que, por agravo, e como já decretou, eram “melhores”.
Dou-lhe umas pistas aqui: http://vistodaprovincia.blogspot.pt/2010/09/as-familias-escolher-escola-ou-as.html
11.
“Por isso, torna-se urgente dar maior
responsabilidade a cada escola, ou a cada agrupamento, para que faça as suas
escolhas e para que determine o número de professores de que necessita, em
função das suas especificidades.” Como sei que o preocupa a transparência do Estado e sector público só
sugiro que se informe sobre concursos de oferta de escola e veja no que isso
deu. Umas pistas aqui:
12.
“Ou seja, a Educação precisa de uma
organização equivalente àquela que hoje existe em todos os outros setores do
Estado.” O uso da palavra “equivalente”
indica que não sabe qual seja e, por isso, só não queira esta, mesmo talvez não
entendendo que esta é a “equivalente” para as especificidades que a educação
tem. Como explicar o que era isso da escola descentralizada era o ponto do texto, acaba a
saber a desilusão.
13.
“Pelo contrário, espera-se que, um dia
destes, os bons professores, que não compreendem as colocações, que não
entendem os critérios, que são prejudicados pelas regras cegas, que estão
fartos dos paizinhos e da indisciplina, que têm uma vocação que tem sido
desrespeitada e muitas vezes mal compreendida, se organizem e exijam o fim de
um modelo centralista e absurdo.” O problema está em ligar na mesma frase “bons professores” com “não
entender os critérios”. E sobre a indisciplina só lhe digo que, não me
interprete mal e me permita dizer-lhe que era um bom caminho não ter “30 alunos
por turma” (são menos no máximo em alguns níveis de ensino mas deixo ao seu
cuidado pesquisar os detalhes) ….
Espero continuar a lê-lo com o prazer que
isso me dá, pela provocação e acutilância, e pelo gosto de discordar, mas não
deixo de lhe dizer que, ao vê-lo a falar assim da matéria da minha vida, me
desanimou sobre o que lerei de si noutros temas. Mas continuarei leitor.
6 Comments:
Gostei. Parabens. Como Rui Moreira parece ser uma pessoa inteligente, tem aqui matéria suficiente para se documentar melhor sobre a matéria que analisou. Só espero é que seja coerente, como parece dar a entender que é, e faça uma reflexão sobre o que escreveu sobre uma matéria a que não terá dado o devido estudo já que a mesma é de certo modo complexa e os homens e mulheres que vão passando pela Avenida de Répública se esforçam por deixar a sua marca, melhor ou pior, mas sempre a sua marca.
Excelente respostas! Subscrevo prontamente e sem hesitações. Os meu parabéns.
Elias
Conheço muitos projectos autónomos que funcionam bem. Conheço outros que ao perderem a autonomia deixaram de funcionar. Conheço várias escolas em que os concursos locais se passaram com lisura. Conheço várias escolas em que os concursos se passaram com lisura e os preteridos resolveram fazer um processo de intenções aos júris.
Para quem queria fazer um texto contra a conversa de comentadeira, talvez tenha acabado por sucumbir a alguma idiossincrasia que lhe enviesa a argumentação.
Obrigada Luís Braga pelo contrditório.Espero que RM o leia.
Parabéns!
Bem respondido. Fiquei também surpreendida quando li esta ligeireza de análise, pois ti(e?)nha(o?)RM em outra consideração. É pena que se deixe embalar por/para campos dos quais se encontra a léguas de distância. Podem parecer-lhe poucos anos de diferença entre o seu tempo de estudante e o atual, mas a diferença real é abismal.
Cumprimentos.
Bem respondido. Também ti(e?)nha(o?)RM em outra consideração. É pena que se deixe levar por/para campos dos quais desconhce a realidade. Parte da sua experiência estudantil para analisar uma realidade que se encontra a uma distância abismal da sua, mesmo que lhe pareça ter passado pouco tempo.
Cumprimentos.
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