Histórias de indisciplinados numa escola portuguesa.
Este é um texto de ficção. Qualquer
semelhança com a realidade é pura coincidência. As pessoas apresentadas são
personagens de recorte alegadamente literário e não tem correspondência a alunos reais.
As bengaladas da ilustração são recurso puramente metafórico.
Imaginem a cena. Uma sala de aula.
Carteiras em fila. Gente
sentada a olhar para um quadro verde.
Frente ao quadro, um professor
relativamente jovem explica um assunto complexo. Gesticula bastante e vai escrevinhando
uns números no quadro com um pau de giz. Aparenta estar com entusiasmo a
explicar aos outros uma ideia nova, que lhe parece ser interessante para eles. A
voz bastante modulada, mas roufenha do cansaço do dia de 6 horas de aulas, fala
de eleições, representação, votações, de Democracia e de como a melhorar na
escola.
Nas primeiras filas alguém toma notas
com interesse e alguns fazem perguntas. Nas carteiras do fundo da sala, há
gente a falar.
Indisciplinado 1 – o estilo “estou
aqui, mas não me vejam”
Um deles desenrolou-se, há uma hora
atrás, como uma lesma esticada, espalhando-se num longo espasmo, na cadeira,
frente a um écran de computador que tacteia, com desdém pelo objeto e pelos que
assistem.
Desde que o professorzeco foi gesticular para a frente do quadro e
fazer rabiscos na superfície verde, virou-se ostensivamente de costas.
Continua, estirado, alapadas as costas em arco, com ar de quem foi abençoado
com o relaxe e desleixo de todos os dons da preguiça e da indiferença. Forma
clara de evidenciar que, se os minutos anteriores a esse discurso docente lhe
interessavam pouco, e nem o motivavam a levantar a cabeça, a arenga, que agora começou,
lhe interessa ainda menos.
- “O que ele quer sei eu!” – a frase
senha do comediante que se assume palhaço passou-lhe ainda há pouco pela ideia.
“Democracia, era nem ter de o ouvir. Isso é que era!”. A ideia de tapar com
rolha, quem assim o incomoda, quase lhe enrijeceu o ânimo mas a moleza do
hábito afastou-o desse caminho, muito pouco trilhado.
O mensageiro só lhe merece desprezo e,
por atacado, junta-o à mensagem. Quem conhece a mente, que alastra nesse corpo
dengosamente estirado, sabe que tem ambições de líder e que, quando fala, gosta
de ser ouvido, reverenciado e que a plateia reaja como se fosse louvada e benta eminência parda do
grupo dos que se juntam naquela sala de aula. Participar, é para ele
falar sem correr o risco de ter de fazer coisa que se veja. Mas, quando abre a
boca, transpira segurança e conhecimento, mesmo que pouco se eleve da
vacuidade. Mas agora olha para o computador.
Indisciplinado 2 – o estilo “escrita
criativa”
O seu colega da cadeira do lado também
nutre desprezo semelhante pelo artista docente do pau de giz, que agora
discorre sobre um assunto qualquer, que lhe parece filosofia barata, a meio
caminho entre o Sócrates de Atenas e o das casas de Paris. Vê-se no rosto que
só o ouve porque tal obrigação lhe está a ser imposta. Conhece a peça falante
há muitos anos e, nesta fase da sua vida, fechado naquela sala de aula, já não
está para que o chateiem. Às vezes, até participa e diz coisas acertadas, mas
só quando lhe apetece e, ultimamente, apetece-lhe pouco.
Há minutos, interveio sobre Democracia e
Liberdade, e a fala vinha a propósito, mas percebeu que o discurso soou frágil
porque os outros, que o conhecem, ligaram pouco.
Então, agora, decidiu que vai sabotar a
intervenção seguinte do docente instalado frente ao quadro. Para mais, nunca
explicou porquê, o estilo e atitude do “gajo” que está a falar no quadro
soa-lhe odienta e já não o esconde. Não será caso para chegar a erguer uma
fogueira, metafórica ou real, e fazer, logo ali, um churrasco pouco democrático à moda dos de S.
Domingos com os cátaros mas, realmente, não está para aturar aquela exibição e as
perspectivas de trabalhos e mudanças de hábitos que estão a nascer à sua
frente.
Ainda para mais, não quer fazer
comentários, não vá a voz do outro, que ressalta nos tijolos burros das paredes
da sala, obrigá-lo a mostrar a sua ignorância do assunto, que vai ouvindo explicar em fundo.
E, logo ali, à
frente dos seus colegas!
Um par forma-se por comuns interesses literários. Estilo 3 – o
gargalhar
A dada altura, acha que o melhor, para
desfastio, é escrever num papel uma mensagem divertida para o deleite do colega
que continua relaxado na cadeira, absorto na nulidade dos seus pensamentos.
Antes de lhe passar o texto, garatujado em velocidade nervosa, aponta para o orador
do quadro e ri-se, escarninho. Sussurra umas palavras desagradáveis, bem
audíveis, até pelo outro que continua no quadro a falar, e repete-as, mais
alto, apontando para o visado, quando percebe que ele está a olhar. O papel,
com dizeres que se adivinham a gozar com quem fala, de tanto que vão apontando
para ele, continua a circular.
Na volta do correio, o esparramado,
manifesta, pela primeira vez, desde há longos minutos, interesse por alguma
coisa e ri-se para o interlocutor, autor do escrito, apontando primeiro para o
papel e depois para o orador no quadro. O gozo continua e amplifica-se quando
uma outra colega, sentada ao lado na última fila, decide entrar na conversa e
rir-se também do papel e a olhar para o fulano do quadro. O tipo não se cala, mas
olha para eles de forma fixa, talvez a lamentar a tropa fandanga com quem tem
de se entender.
Agora, o tal palrador do giz deu em
virar-se para a audiência a fazer perguntas e tentar obrigá-los a sair da sua
modorra, para não permitir o gozo dos de trás.
Na última fila, continuam a apontar para
ele e não ligam ao assunto. O papel é mais interessante e, pelo gargalhar do
trio, bem divertido.
O que não tem remédio, remediado
está…..
O que fazer a estes indisciplinados? Não
ligar?
Recomendar que atinem, dado que o comportamento é recorrente naquela
sala e noutras por onde passam?
Mandá-los para a rua, com falta de tipo
disciplinar e consequente participação?
Fazer um sermão a apelar a Santa Maria ou
outras entidades divinas ou terrenas, por conta do desrespeito e falta de
consideração a quem até se esforça mas calhou de não cair no goto dos heróis impolutos dos fundos da sala?
Participar por escrito, com base num normativo qualquer que a
sacrossanta tutela terá inventado, para ver se são chamados à direção e alguém
por lá lhes arranja castigo, colinho ou apoio psicológico?
A queirosiana possibilidade das
bengaladas está sempre, obviamente, posta de parte. Há sempre a hipótese de os
desprezar, mas a obrigação do convívio, impede radicalismo. Além disso, a sua má
postura motiva-os a fazerem-se notar.
Pois é, mas antes que alguém responda às
perguntas retóricas anteriores, uma nota apenas:
Quando é que se disse, neste
conto edificante, que os exibicionistas da última fila, mesmo ficcionados numa
sala de aula, estavam numa aula e eram ficções de alunos? Só viram destas
coisas, em aulas e com os alunos? Ora pensem lá melhor…
Etiquetas: bullying, disciplina, educação, gestão escolar, indisciplina, profissão, responsabilização
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