Comentário a JCE sobre a BCE....
(Carta de leitor para o Público por causa do comentário de J. Carlos Espada na edição de hoje sobre a questão da "colocação de professores" .... que podia servir também para o Presidente Cavaco .... que não fala do que deve, senão para dizer asneiras....)
Ex.ma Senhora Diretora do Público,
Ex.ma Senhora Diretora do Público,
Leitor do
jornal desde o primeiro dia, no tempo em que só havia papel e o jornal foi a
mudança da imprensa portuguesa, começo por saudar o trabalho excelente que os
profissionais que dirige têm feito na cobertura da bagunçada em que se tornou o
início de ano.
Destaco
em particular o facto de se informarem precisamente sobre as
componentes técnicas do problema e tentarem explicar, a quem não esteja
dentro delas, as complexidades de um processo que é realmente difícil de
executar e mais ainda de explicar.
Ainda
não perdi a esperança de ver uma carta de leitor publicada neste jornal
sobre este assunto e aqui fica uma tentativa sobre um assunto em que,
afinal, me parece posso ajudar os meus companheiros leitores com uma
opinião com algum sentido (coisa que o cronista, J. Carlos Espada, homem
erudito e culto, mas com pouco conhecimento da matéria, que hoje
escreve no jornal sobre o tema, podia também ter procurado).
O
signatário
pode, com alguma precisão, auto-referenciar-se como conhecedor
relativamente
profundo do problema. E, por isso, aprecia muito que haja um jornal que,
na
linha do que deve ser a verdadeira promoção da cidadania, esteja a dar
destaque
ao problema, com a profundidade suficiente para, ao mesmo tempo, lhe dar
a
importância de interesse popular que merece e sem descurar a transmissão
de conhecimento
efectivo sobre as questões, não as simplificando ou reduzindo o tema
apenas a
um conflito entre contratação central (má, estatizante, soviética, como
alguns
opinadores já disseram) ou local (autónoma, libertadora, próxima do
problema,
desejável, segundo outros) ou a uma bizarria sindical contra o
Ministério, bem intencionado (para alguns, mas claramente incompetente,
para todos os que olhem com atenção).
Essa dicotomia
em que o jornal, factual e isento, não caiu, é redutora e dogmática.
A contratação
de professores é um problema técnico. Com grande impacto na vida dos cidadãos,
com grande alcance social e político, até pela dimensão numérica dos envolvidos,
mas técnico. Começa por sê-lo na própria terminologia.
Por exemplo,
muitos (e o jornal, bem, não o tem feito) confundem colocação de professores
com contratação de professores.
Os professores
de quadro (trabalhadores já vinculados ao Estado) são distribuídos pelas
escolas de 4 em 4 anos (se quiserem concorrer para mudar de lugar) e só uma
percentagem miníma têm de ser colocada anualmente (os que perderam o lugar no
ano anterior).
Por isso, e
não é irrelevante afirmá-lo de forma precisa, para discutir realmente o “dogma da
colocação autónoma pelas escolas”, o que estamos agora a discutir são os
professores além quadro que o Estado tem de contratar, externamente aos já
vinculados, e que tem de selecionar com o critério e a legalidade inerentes a um
concurso público de acesso a funções públicas (que inclui pressupostos de
igualdade, não discriminação, transparência e isenção).
Mas se são
tantos os envolvidos que parece que o sistema de ensino bloqueia?!
Essa
observação
destaca logo o primeiro problema: talvez não precisassem de ser
tantos, se o Estado cumprisse a sua obrigação e, em vez de contratar de
ano a
ano, décadas seguidas, os que precisa para vários anos seguidos,
estabilizasse os quadros. Os
teóricos que opinam em muito lado sobre isto, e hoje também no
Público, e advogam sistemas dogmáticos, salvíficos porque
descentralizados, para resolver o problema, esquecem esta questão
prévia: se há concurso de
contratação nesta escala “soviética” é porque o Estado não cumpre as
suas
obrigações e, apesar de folclóricas vinculações extraordinárias, não
resolve o problema
da precariedade de tantos docentes sujeitos a uma dança anual.
Resolvido esse
problema, a escala anual do concurso reduzia-se ao que deveria ser, residual, assumida a
colocação plurianual dos docentes de quadro. E simplificava-se tecnicamente.
Mas vinculado
ao quadro o máximo possível de professores (e nesse outro concurso interno não
há hoje problema nenhum, para lá de discussões técnicas pontuais e sem grande relevância
noticiosa) sempre haverá necessidades pontuais de base anual (uma turma que
surge, uma outra que fecha, um curso ou opção que abre, um professor que se
reforma ou outro que morre, etc).
Como
resolvê-las? Aí entra a discussão dogmática entre os centralistas e
os
localistas. O operador do processo deve ser o Estado ou as escolas
dotadas da
autonomia, mágica e dissolvente de dificuldades? (e nem falo da minha
opinião pontual, também dogmática e que merecia também ser
experimentada, de que a regionalização é que ía ser....)
Como essa
discussão é contaminada pela política, muitos fogem à sua real componente
técnica (e como o vosso cronista João Carlos Espada hoje, chegam ao ponto de fazer
textos a citar profusamente Tocqueville mas sem um único argumento realmente
técnico que mostre conhecerem realmente o problema concreto).
Imaginem que
citava Hipócrates ou Galeno para falar do Ébola: parecia erudito mas calculo que pouco
credível na dimensão técnica do problema.
Pelo meio lá
vem o inevitável adjetivo “soviético” ou “centralista” e não se foca o problema
técnico. O que realmente funciona melhor para evitar a trapalhada presente?
Aliás, nestas coisas tudo é teoricamente possível, desde que bem executado ,e
quanto mais difícil, maiores as exigências técnicas e de planeamento (que é o que
tem aqui falhado, no meio do dogmatismo do “acho isto e aquilo”).
Era possível
fazer um sistema de seleção só centrado nas escolas mas a massa de concorrentes
a todas as escolas faria com que se concluísse que, para suprir todas as
exigências legais de um concurso, o sistema seria tão caro que talvez seja
melhor simplificar e centralizar e gastar esse dinheiro consumido na
operacionalização de milhares de concursos locais (não o fazendo, poupado) noutras coisas mais úteis (que tal vincular professores?).
Mas o dogma da autonomia cega os que deviam abrir melhor os olhos: assim entrou-se na aventura de tentar fazer
concursos locais em nome do dogma da autonomia e sem reparar que só abrangem 0,8 % dos docentes (diz o
Ministro, com o rigor a que nos vem habituando, que são realmente mais). Então 0,8% (ainda que sejam 5%... ) é que
faz a grande mossa na diferenciação dos projetos educativos autónomos das escolas (outro
mito popular)? Sejam 5%, isso é que vai fazer a diferença e a distinção?
E na discussão
desse ponto as notícias, a que deram merecido destaque no jornal, sobre professores colocados
pela Bolsa de Recrutamento em dezenas de escolas ao mesmo tempo são um facto
sensível para o deslindar da questão.
Na verdade,
isso não é um problema de execução do sistema legal da BCE mas sim um problema
de conceção.A BCE como foi concebida tinha de dar esse resultado porque já os concursos de oferta de escola anteriores o produziam....
Para
selecionar contratados para o sistema, que lecionarão em base anual, a lei
prevê 3 processos:
1. ou se
renovam contratações anteriores (situação que não teria problema nenhum se
tivessem antes sido feitas com os critérios de exigência pública, que já referi
acima, o que não é manifestamente o caso, já que antes já houve contratações de
escola anuladas por ilegalidade dos critérios e não é este o primeiro ano em que o Provedor de Justiça se refere a isso);
2. ou se
seleciona com base numa lista ordenada
nacional, em que cada candidato concorre às escolas que quer e é ordenado por
grupo de docência, com base num número que combina pontuação do seu tempo de
serviço com a nota do curso que o habilita para ser professor. Esse número, que
condensa a informação essencial, mínima e comparável uniformemente, do seu
currículo, traduz uma avaliação curricular mínima e chama-se graduação
profissional.
Usando
uma linguagem de mercado, essa lista promove o encontro entre
as vagas disponíveis e as escolhas dos candidatos: os candidatos
escolhem todas as
escolas, em que aceitam ser colocados e com base numa lista em que são
ordenados
com base em dados previamente verificados, e que depois de colocados já
não é
preciso verificar, são colocados numa única escola (que pode ser
distante e não
ser a primeira preferida mas sempre terá sido escolhida por si, mesmo no
limite
da escolha). É prático, rápido, certo e, se perde em diferenciação,
ganha em eficiência e transparência. Nas listas todos controlam todos e
as batotas são mlogo verificadas e pelos próprios candidatos....
3. Desde Maria
de Lurdes Rodrigues foi inventada de forma atamancada uma terceira maneira, baseada na ideia da suposta autonomia das
escolas para escolher “de acordo com o seu projeto educativo” conhecida por “oferta
de escola”. Esse sistema obrigava cada escola a abrir os seus próprios
concursos para cada grupo em que necessitavam de docentes fora do quadro.
Podiam definir mais critérios, além da avaliação curricular, traduzida já pela
graduação profissional.
Como
o liberal legislador deixou campo aberto a tudo
sem critério, como disse no Público, há tempos, Santana Castilho, foi a
"liberdade para disparatar". Mesmo os diretores que se moderassem na
latitude de critérios, tinham um mês de Setembro/Outubro carregado de
verificações, construção de listas, telefonemas a candidatos (porque os
primeiros de cada grupo eram quase sempre os mesmos e só se chegava a
escolher no lugar 30 ou mais abaixo (o tal fenómeno revelado agora das
colocações múltiplas) e alunos sem aulas. Como a coisa corria antes um
pouco melhor e estava disseminada não dava tantas notícias. Eu fiz
centenas de concursos desses como diretor de um agrupamento TEIP. E
usava como procedimento a graduação porque mesmo assim simplificava...
Muitos diretores, enlevados pelo "poderzinho" de escolher, definiram
critérios sem consistência, não comprováveis, de difícil operação nas escolas
com os meios que têm para verificar. O resultado foi uma trapalhada razoável
que, em anos anteriores, deu origem a audições parlamentares, processos
judiciais, recomendações críticas do Provedor de Justiça e muita polémica entre
professores. Mas, como, mesmo com professores ilegalmente selecionados (que renovavam
depois contratos assim obtidos), o sistema lá foi andando, aos tropeços, ninguém
deu realmente por ela fora de círculos mais especializados ou interessados.
Mas o problema
era grave e, vai daí, com a conivência de alguns sindicatos – que não a FENPROF
e outros com ela alinhados - (e
tem de
ser disto isto, porque o ministro o sugeriu manhosamente no parlamento
ao dizer que a BCE
foi “negociada” com os sindicatos), o Ministério decidiu mudar a lei e
fazer a
justaposição dos concursos locais de cada escola numa bolsa nacional e
tentar evitar os problemas
da "liberdade para disparatar nos critérios" e da atomização de
concursos com
milhares de candidatos cada um (perante o desemprego os candidatos
concorrem a
todas as escolas, o que me leva a dizer que quem defende o fim da
“centralização”,
entende pouco de “mercado” pois, em vez um “mercado” que faça o encontro
entre
candidatos e vagas de forma eficaz, defende um mercado disperso em que
todos
vão em igualdade a todas as vagas, em dispersão de concursos pelo país, o
que é muito pouco prático e não tem solução, visto que ninguém pode ser
proibido de concorrer a tudo o que quiser e tem de ter condições para
tal).
Essa justaposição
para resolver o problema foi a Bolsa de contratação de escola: mal concebida
(preguiçosa e dogmaticamente concebida, diria mesmo) e pior executada. Na parte do concurso
que é mesmo nacional (a Reserva de Recrutamento) os problemas são pontuais e
são mesmo erros localizados de tipo informático. Os professores das escolas colocados
por aí já estão a trabalhar, na generalidade.
Na
BCE depois da fórmula errada, da revelação dos problemas originais de
conceção entramos agora na fase de invenção em que já se vai fazer uma
nova Bolsa para as escolas que deviam mas não entraram na primeira.
Asneira por cima de asneira....
Do outro lado,
qualquer pessoa com algum tino que tenha feito concursos de oferta de escola com algum rigor
nos critérios (isto é, pelo menos evitando o critério que muitos diretores usaram
de que "fica cá o que já esteve", o que ignora os que são melhores e não estiveram)
no passado previa a desgraça de tentar justapo-los. Eu previ aqui http://www.vistodaprovincia. blogspot.pt/2014/03/bolsa-de- contratacao-mudar-o-nome-m. html. Como a coisa era provinciana, mesmo com a alguma divulgação, ninguém ligou ao parolo de Viana....ainda lei não estava feita.
E,
por isso,
digo: não vale a pena ir buscar Tocqueville para explicar soluções para
isto. Basta uma competência mínima sobre um procedimento que se faz
desde os anos 30 do século XX
(antes em papel e agora informatizado) e que se baseia em convenções
para
funcionar (a graduação profissional é uma convenção justa e aceite de
base matemática e que
funciona bem e que em vez de ser deitada fora merecia ser estudada e até
quem sabe aperfeiçoada, embora me pareça que dada a qualidade dos
artistas, deviam deixar estar).
E
para
terminar destaco só esta ideia central: o que falhou não foi o concurso
nacional "centralizado", o que falhou foram os concursos locais
(isolados, nos
anos anteriores, justapostos, este ano). Por incompetência e falta de
estudo. E para quem tanto falava de rigor isso é uma constatação
ridícula. E o ridículo mata ou neste caso produz zombies políticos....
Com os melhores cumprimentos,
Luís Sottomaior Braga
Etiquetas: BCE, bolsa de contratação, concurso docente, directores, educação, equidade, gestão escolar, graduaçao, graduação profissional, oferta de escola, sindicatos, teip
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