Petição sobre responsabilização dos Pais e encarregados de educação: Sinais de consenso no meio da emoção.
Reflexão sobre responsabilização dos pais e encarregados de educação na escola: sinais de consenso no meio da emoção.
1. A CONFAP e a Petição
A Confap veio apoiar esta semana a ideia de que é preciso responsabilizar os pais que “abandonam os filhos na escola”. Foi assim que as notícias traduziram a ideia e acaba por ser um bom resumo (embora se se ler o comunicado talvez se tenha um entendimento diferente do que resulta dito pelo seu Presidente).
Não tendo uma opinião muito favorável sobre a consistência filosófica da acção do principal dirigente da CONFAP, Albino Almeida, e da sua tendência para cavalgar a onda mediática, não se pode deixar de registar a importância do que disse nas suas declarações e do que apareceu escrito no comunicado da CONFAP, até porque, sendo as famílias fundamentais na comunidade educativa, a mudança de posição de um dos seus representantes traz um novo dado à reflexão.
O tema é sensível e fracturante mas merece um debate alongado e profundo que a actual situação emocional, causada pela morte de uma criança, condiciona. Na verdade, se os problemas que o caso do Tua levanta são muito graves e merecem um rebate geral de consciência, o debate sobre a questão geral deve ser racionalizado, e mais centrado na gestão e quotidiano das escolas do que na emoção colectiva de quem não o viva e muitas vezes, por isso, não o entende.
Há cerca de um ano a delicadeza de alguns amigos fez com que um texto que escrevi tivesse tido a sorte de ser transformado numa petição pública de grande divulgação sobre esta questão. Mas esse texto começou por ser uma reflexão individual de um professor (que se assume de esquerda e de ideologia socialista, embora não de partido) sobre um dia duro na difícil tarefa de educar crianças e jovens por contraponto a modelos educativos familiares que deseducam e desresponsabilizam.
Essa petição recolheu mais de 17 mil assinaturas e foi apreciada no Parlamento.
Na sua essência era um texto concreto e pragmático, curto para ser lido, generalista para suscitar consenso, mas objectivo para ter efeito. O que pedíamos era simples: medidas concretas de mudança na legislação do Estatuto do Aluno e legislação conexa, para responsabilizar os pais que não liguem e não reajam aos actos de violência e indisciplina dos filhos e para aqueles que promovam ou tolerem o seu absentismo e abandono.
2. O Parlamento e a petição
A petição não teve qualquer consequência prática (passado um ano) e recentemente, face a isso, escrevi a todos os deputados da Comissão de Educação e à Senhora Ministra da Educação a lembrar o seu conteúdo. Obtive uma resposta muito positiva do Gabinete da Senhora Ministra mas que, e correctamente, remeteu para o Parlamento (o Estatuto do Aluno é uma Lei produzida por este e que, por afectar matéria de Direitos fundamentais, está no âmbito da sua reserva de Lei).
Como os primeiros peticionários disseram na altura, na Comissão de Educação, o texto era uma visão da trincheira educativa e, talvez por isso, difícil de explicar e aceitar. Possui a natureza polémica de conjugar as ideias, criadas de princípios de vida e acção profissional baseados na solidariedade e na consciência social, com a visão pragmática e operativa que se obtém pela luta diária nessa trincheira.
Ao longo do processo de debate da petição, várias vezes surgiram acusações de reaccionarismo e primarismo e outras de quem, às vezes distante da realidade, tem uma visão de princípio contra a sanção e penalização dos pais e encarregados de educação negligentes.
O teor da petição não defende a repressão pura e simples mas o dia-a-dia da trincheira educativa leva a concluir que não se pode continuar na ambiência utópica (bonita, mas desligada do contexto prático) de que voluntariamente se vai fazer que agrade e se adira, sem mais, ao que se recusa e até se agride. A ideia da responsabilização operativa e concreta dos pais e encarregados de educação pela violência e indisciplina é naturalmente polémica e eventualmente a sua implementação implica rupturas que gerarão debates árduos (e que será bom que sejam mesmo árduos para serem eficazes).
3. A petição e a vida diária nas escolas
Uma avaliação subjectiva, mas alargada, leva a concluir que a ideia da penalização das famílias pelo absentismo e indisciplina é sentida como muito necessária nas escolas.
Essa ideia é conexa a questões no âmbito da protecção social, nomeadamente o problema da vigilância da atribuição de vários tipos de prestações e do cumprimento de compromissos na área educativa constantes dos acordos (por exemplo, de inserção) que, embora assinados, são muitas vezes ignorados (por enfase excessiva no direito à prestação e desatenção à vinculação aos deveres do acordo).
O contexto difícil (e arriscado) da acção dos técnicos das equipas de acompanhamento leva a que seja complexo fazer o paralelismo entre as faltas às aulas e os actos contra a paz escolar e as consequências dessas faltas e actos no recebimento de prestações do Estado.
Gera-se assim o paradoxo de que muitas prestações sociais são atribuídas no pressuposto de que as crianças do agregado vão à escola mas, quando isso não acontece, e deve presumir-se que é responsabilidade das famílias (que são apoiadas para tal), a prestação social permanece, sem qualquer consequência pelo incumprimento.
Perante este problema, que quem esteja na realidade das escolas com absentismo e abandono crónicos conhece bem e pode descrever, a capacidade de acção da escola é nula e existe descoordenação entre a acção das instituições sociais, por falta clara de lei.
Qualquer contacto com Comissões de Protecção de Crianças e Jovens resultará em narrações de episódios bonitos de esforço e voluntarismo de quem lá trabalha mas isso acontece no quadro da miséria de falta de meios e de um contexto de autoridade difusa em que se acaba a ter de negociar com quem não cumpre as suas obrigações de forma recorrente.
Neste contexto surgiu a petição com uma proposta vaga (para alargar o debate) mas incisiva na sua intencionalidade.
Naturalmente que o tema foi puxado para a questão das prestações sociais mas é óbvio que há problemas de comportamento, indisciplina e violência (às vezes bem difíceis de resolver) em todos os grupos socio-económicos. A acção do Estado deve chegar a todos.
O problema é que a ferramenta para os casos em que o Estado lida com a negligência educativa de famílias que se bastam a si próprias implica um debate ainda mais profundo (por jogar com um âmbito represssivo ainda mais complexo). E nesse contexto surge a questão das multas.
4. A concretização da petição: como fazer?
Deliberadamente não foram apresentadas ideias de concretização das medidas sugeridas, que cabem a um nível que ultrapassa o nível de proposta de cidadãos e que cabe aos decisores políticos (há muitos países em que, numa perspectiva de Direito Comparado, se podem buscar exemplos replicáveis).
O ponto a que o debate chegou justifica alguma concretização adicional. Poderia dar esse contributo, mas a título individual só o farei com a nula autoridade de lutador provinciano da trincheira educativa bem longe dos estados-maiores institucionais.
A vida quotidiana leva a que possa enunciar alguns pontos de desenvolvimento da ideia de responsabilização. E com a consciência de que há questões de liberdade associadas ao problema.
Desde a Grécia Antiga que a presença do poder público na educação da criança é um tema de debate. Esparta, a cidade grega que catalizou a oposição a Atenas, escolheu um modelo em que as crianças eram entregues ao Estado e criadas por este. Atenas, que acaba por ser a avó das Democracias, estruturou-se num modelo de educação familiar oposto a esse.
A presença do Estado na educação e a sua maior interferência na vida das crianças podem trazer riscos para a Liberdade mas a sua ausência total e indeferença podem ser ainda mais perigosam.
Aliás, hoje já estamos muito longe da génese deste debate: a própria existência de um Direito de Família e Menores significa que a Lei e o Estado não se alheiam totalmente da vida das famílias e que esta não é um território sem lei, entregue aos puros devaneios individuais.
Por isso é uma conquista civilizacional que os pais não tenham puros direitos sobre os filhos mas poderes-deveres que devem exercer em seu benefício.
Assim, não pode estar na limitada esfera de escolha individual de um progenitor saber se um filho pode ou não vir à escola, se pode ou não faltar, se pode ou não fumar ou fazer certos consumos perigosos à sua formação e saúde, se pode ou não ter uma alimentação saudável, se se pode pôr em risco ou não, se deve ou não agredir colegas e ser reforçado na atitude quando o faz…. Estes e outros comportamentos existem nas escolas por parte de algumas famílias, e mesmo sendo numericamente limitados, a sua existência tem de ser analisada e combatida.
Um único aluno recorrentemente violento que a família não controle, ou não queira controlar, pode destruir totalmente o clima de uma escola e com efeitos alargados.
E a ideia, infelizmente difundida, de que tudo se resolve com diálogo e negociação, por se tratar de uma escola e tudo se ter de resolver com pedagogia, está errada. Uma esmagadora maioria dos casos de abandono, violência e indisciplina podem ser resolvidos com diálogo e negociação e uma actividade puramente pedagógica, é verdade, mas há casos limite (infelizmente a aumentar) em que, sem algum tipo de sancionamento, dificilmente se invertem as tendências.
E o concreto, dirão os que leem? Resposta simples: o actual Estatuto do aluno e legislação sobre participação dos pais tem larga prosa que consagra os deveres dos encarregados de educação. Se o legislador tentar rever a legislação, prevendo as consequências que surgirão ao caminho de quem não se esforçar por os cumprir, estaremos a avançar.
A maioria desse articulado de deveres é lei escrita sem sanção. Se se debater a transformação desses “deveres” em reais deveres (sancionáveis no incumprimento) e não em intenções desejáveis (que é o que são hoje) progrediremos e sem nos enredarmos em discussões de pormenor cansativas e estéreis.
No discurso ideológico sobre isto esta ideia do sancionamento é muitas vezes associada por grupos, a que até sou próximo nos princípios políticos, a uma atitude fascitóide e anti-libertária. Infelizmente para mim, a urgência do quadro de crianças e jovens que abandonam a escola por negligência dos pais, e até por incitamento destes, provoca uma repugnância maior e suscita a possibilidade de conceber esta perspectiva que não se encararia noutro quadro.
5. A petição e os sindicatos
Muita gente se pronuncia sobre este assunto. Entre os pronunciamentos regista-se o da FENPROF (o sindicato mais representativo) que com um discurso muito semelhante a outros sindicatos enviou para os mails dos sindicalizados uma lista de propostas. Propostas que devem ser consideradas, com as quais será dificil não se concordar com o mérito e cuja listagem é muito semelhante às que surgem no contexto do debate sobre as questões da segurança rodoviária. Imaginem o paralelo e entenderão como o sancionamento tem de aparecer a dada altura da reflexão como consequência lógica.
Entre essas propostas incluem-se muitas ideias que são, no fundo, questões estruturais do sistema (promoção de um amplo debate "Por uma Cultura de Paz e de Não-violência", a atribuição às Escolas e Agrupamentos de Escolas dos recursos humanos, financeiros e materiais necessários para o desenvolvimento de planos de actividade que concretizem os seus Projectos Educativos, a adopção de medidas preventivas que dêem resposta à situação actual, através da negociação de protocolos de cooperação entre as escolas e os operadores sociais integrados no meio em que a escola se integra ou desenvolvimento de uma efectiva política favorecedora da fruição da actividade cultural e da prática de actividade física e desportiva, enquanto factores de excelência para a convivência social em contexto de vivência colectiva).
A linguagem pode parecer cansativa e redonda mas entenda-se o conteúdo: “a política favorecedora da fruição da actividade cultural e desportiva” quer dizer mais prática desportiva e actividade cultural nas escolas. Depois de entender, toda a gente concorda com isto.
Outras medidas poderão ser úteis, se não se transformarem na criação de uma burocracia associada à violência escolar (Criação de um "Observatório para a Não-violência e para a Convivência Escolar" ou apoio a planos anuais das Escolas e Agrupamentos de Escolas para o desenvolvimento de projectos de promoção da Convivência Escolar).
Outras, faz sentido lembrá-las mas não são novidade (por exemplo, a garantia de apoio jurídico e judicial a todos os profissionais de educação vítimas de violência que existe, na medida em que o MP tem actuado e agredir um professor é um crime agravado face ao código penal).
Outras, até soa estranho que tenha de se falar delas, pelo que significa de constatação do desleixo (Integração nos planos de estudo da formação inicial de docentes da temática da gestão de conflitos e da não-violência e convivência escolares e Definição prioritária dessas matérias nos planos anuais de formação).
Há uma que não se percebe o que está a fazer na listagem porque não é medida de solução e poderá ser dado para o agravamento (Alargamento da obrigatoriedade de frequência à educação pré-escolar e da escolaridade obrigatória ao 12.º ano). Concordo com toda a gente que concorda com o alargamento mas nem todos perceberam ainda o que significará de problemas.
Há outra que é uma generalidade com que, mais uma vez, toda a gente concorda (mas no concreto sabe-se mal o que será): Consagração de uma política de combate à indisciplina e violência escolares, de compromisso, partilhado, que envolva toda a sociedade portuguesa e que favoreça o desenvolvimento da consciência social dos cidadãos perante o problema.
Aliás, esse é o debate. Finalmente, também a FENPROF acaba a concordar com a petição porque entre as medidas enumera: (ponto 8) Estabelecimento de regras de co-responsabilização das famílias, dos professores e dos alunos relativamente à convivência, frequência e sucesso escolares e educativo dos alunos. Ora como a responsabilidade implica sancionamento ao incumprimento a concordância no princípio é patente, falta saber como o concretizar.
Assim, o movimento de opinião pública à volta desta questão regista um largo consenso. Além dos peticionários, 2 das principais forças de representação de agentes da comunidade educativa concordam com a ideia de responsabilização e predispõem-se a negociar o assunto. Diluem isso numa retórica mais vasta mas acabam a reconhecer que, no contexto, a proposta da petição faz algum sentido e merece ser discutida.
Senhores deputados, que pensam fazer?
Etiquetas: Pais e encarregados de educação, Petição, responsabilização, sindicatos
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